Era previsível que, em meio à revolta do funcionalismo com atrasos constantes nos vencimentos, a crise mostrasse sua cara feia num ponto estratégico do aparato estatal - o sistema carcerário.
Os agentes penitenciários sequer precisam fazer greve para que o problema estoure. Basta usarem de rigor nas revistas, impedir visitas fora de hora e deixarem de ser tolerantes com os presos no dia-a-dia. Homens enjaulados tendem a virar feras, por vezes sem ligar para o risco físico. É o que parece ter ocorrido em Getúlio Vargas, nesse incêndio provocado por apenados.
Em 32 anos de profissão não recordo de um episódio com tantos mortos de uma só vez no sistema penitenciário. Mortes posteriores à rebelião, sim, são comuns. Em 1994, apenados se revoltaram no Presídio Central de Porto Alegre, feriram agentes, tomaram o diretor do hospital como refém e, após dois dias de motim, um policial civil foi morto e também quatro dos presos, em perseguição policial. O diretor ficou paraplégico com um tiro e três reféns foram baleados com gravidade. Uma tragédia, marcada a fogo na memória gaúcha.
Mortes em unidades de contenção de adolescentes infratores também já foram comuns. Em 24 de abril de 1996, Valmir Franco Ribeiro, 17 anos, e Alessandro Flávio de Souza, 15, morreram incinerados na cela número 9 do isolamento do Instituto Central de Menores (ICM), da Febem (atual Fase), em Porto Alegre.
Conclusão da sindicância interna: ocorreu negligência e demora no socorro. Outros três adolescentes, Isaías Lapichis Neuschrank, 17 anos, Roger de Souza Freitas, 16, e Márcio José da Silva, 17, engordaram a cifra em 9 de março de 1998, também queimados numa cela do isolamento do ICM.
Conclusão da sindicância interna da Febem: as mortes são resultado de descontrole administrativo generalizado (as rebeliões aconteciam em meio à insatisfação dos servidores da Febem com condições trabalhistas).
A intervenção da BM nos presídios (e também na Febem, por um período) fizeram rarear as rebeliões. Até agora. Os sinistros e lamentáveis episódios registrados desde o final semana em prisões servem de alerta aos governantes. Com segurança pública não se brinca.