Quando você pensa que não falta mais nada para que padrões mafiosos se instalem de vez em Porto Alegre, a realidade teima em contradizê-lo. Um sujeito é morto no saguão do aeroporto, em plena luz do dia, enquanto conversa com familiares. O que mais falta?
Já vivemos na seguinte situação: mostre-me com quem andas e serás morto igual. As quadrilhas não respeitam inocentes. Na ânsia de abater os inimigos, matam também seus amigos e familiares. Pode ter ocorrido no caso do aeroporto.
A capital gaúcha experimenta uma sequência de rupturas de códigos que outrora eram praticados e seguidos pelos próprios criminosos. Veja:
– Risco ao chegar na escola: o perigo que rondava as escolas, até tempos atrás, era do traficante que vende droga batizada aos alunos. Depois começaram os roubos, estudantes viraram cofrinho de viciados. Agora o risco é ser morto. Que o digam familiares da mãe que foi buscar o filho no colégio e acabou morta por assaltantes.
– Em pleno ônibus, à luz do dia: no início deste ano um homem foi morto por desafetos dentro de um ônibus urbano, num dos principais cruzamentos da Capital. O assassino não se importou com câmeras de vídeo e nem em ser reconhecido pelos passageiros, horrorizados.
– Cadáver jogado na calçada: aconteceu na Rua André Puente, muito próximo a um dos mais elegantes bairros porto-alegrenses, o Moinhos de Vento. O rapaz foi morto e jogado na rua, de manhã. Tudo filmado.
– A morte frequenta boates: assassinatos em frente a danceterias e até dentro delas viraram rotina. Meses atrás foi numa casa de danças da Cidade Baixa, com centenas de frequentadores assistindo ao show de horrores praticado por assassinos que mataram um cliente.
– Na hora das compras: nos últimos dois anos pelo menos quatro tentativas de assalto a supermercados terminaram com intenso tiroteio, na Capital. Em pelo menos um caso, um transeunte morreu.
– Idolatria ao criminoso: não contentes em idolatrar criminosos, algumas quadrilhas pintam retratos deles e os deixam ostensivos, para a comunidade. Um deboche. Aconteceu com um famoso traficante, no bairro Azenha, que teve o rosto emoldurado num condomínio. O fato se repetiu com outro traficante no muro do fórum da Restinga.
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Os críticos do governo Sartori dirão que ele deixou a sociedade no fundo do poço. Mas a verdade é que a escalada de rupturas nos padrões é crescente e perpassa vários governantes. Crimes sangrentos sempre ocorreram nas periferias, mas famílias eram respeitadas. Não mais. As quadrilhas perderam a própria ética não escrita que juravam praticar. E a carência de efetivo policial nas áreas nobres transformou elas, também, em campo de batalha.
Há também um histórico sentimento em relação a mortes de criminosos. Muita gente pensa "enquanto for entre bandidos, as mortes são boas para a sociedade". O problema é que o acerto de contas continua a ocorrer e, cada vez mais, diante das pessoas que nada têm a ver com isso. Não adianta alguém pensar que o policial deve lavar as mãos. É preciso prender e condenar.
Especialista em gestão em segurança pública, o tenente-coronel Adriano Klafke, da BM, acredita que isso é o ápice da cultura da impunidade.
– O crime atuando assim, num local supostamente controlado, mostra, além do desprezo à vida, o desprezo pelo sistema de persecução penal. A lei não permite neutralizar ameaças (Cultura da Impunidade) e as estruturas e procedimentos são vulneráveis – resume ele.