A jornalista Carolina Pastl colabora com a colunista Gisele Loeblein, titular deste espaço.
O dourado que tradicionalmente colore as lavouras de arroz orgânico não apareceu este ano nos assentamentos da Região Metropolitana de Porto Alegre. Foi tomado por um tom marrom, mistura entre água e lama que avançou sobre municípios como Eldorado do Sul, Nova Santa Rita, Guaíba e Taquari.
O Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) estima que pelo menos 20% da produção tenha sido levada pela enchente. E, com ela, hortas, vacas, casas, máquinas, galpões e a vontade de viver nesses locais.
Marildo Mulinari é um dos assentados em Eldorado do Sul que voltou para casa no último final de semana, depois de quase 20 dias fora dela. É a segunda vez em menos de um ano que a cheia toma a sua propriedade. Desta vez, levou junto o seu trabalho, a produção de arroz orgânico. Agora, questiona-se com a família "se vale a pena a vida aqui".
— A minha casa está oca. Só sobrou a estrutura de fora. Não temos mais os meios de produção, não temos mais móveis, não temos mais nada — relata, perplexo.
A casa de Mulinari é uma das mais altas do assentamento Integração Gaúcha. Foi para onde, inclusive, muitos vizinhos levaram animais na tentativa de salvá-los da enxurrada. Todas as 73 famílias tiveram de ser realojadas.
Em Nova Santa Rita, no assentamento Santa Rita de Cássia, o produtor Arnaldo Borges só conseguiu colher 25% dos 200 hectares plantados com o grão. A água ainda não baixou na lavoura e a expectativa de colher algo é nula, conta:
— Nas áreas em que deu sinal de que estava baixando, começou a aparecer o arroz e mostra ele todo danificado.
Os danos não são só no que havia na terra e que a água levou. Pelo menos 200 mil sacas de arroz orgânico colhidos estavam armazenados em silos no assentamento. Sem luz por 17 dias, não teve como secar o cereal, que terá de ser jogado fora.
É por isso que Álvaro Delatorre, engenheiro agrônomo e dirigente estadual do Setor de Produção do MST/RS, entende que o prejuízo pode superar a estimativa de 20%. A Região Metropolitana abriga mais da metade da produção agroecológica do grão no Estado. Para a safra 2023/2024, a previsão era colher 280 mil sacas. Destas, 150 mil sacas viriam da região do entorno da Capital.
Em Eldorado do Sul, a sede da Cooperativa dos Trabalhadores Assentados na Região de Porto Alegre (Cootap), que congrega 11 municípios produtores de arroz orgânico e 230 famílias, também foi submersa. No local, havia maquinário, alimento estocado, escritório e loja agropecuária. O prejuízo estimado chega a quase R$3 milhões.
— A perda foi total, dentro e fora da cooperativa. A situação é desesperadora — resume o presidente da Cootap, Nelson Krupinsky.