A jornalista Bruna Oliveira colabora com a colunista Gisele Loeblein, titular deste espaço.
Para se ter dimensão de uma estiagem como a atual que castiga o Rio Grande do Sul, é preciso ter profissionais que vão a campo retratar o tamanho dos estragos. A engenheira agrônoma vinculada à Emater em Sananduva, Cibele Bonez, tem percorrido propriedades no norte do Estado com a missão de auxiliar os agricultores que entram com pedidos de seguro como o Proagro – realidade que já atinge mais de 6 mil produtores gaúchos. Com o trabalho minucioso de observação, ela dá o parecer que embasa os laudos técnicos dos pedidos para liberação dos recursos.
Em entrevista à coluna, ela contou sobre o cenário que tem visto nas plantações e o peso do impacto não somente financeiro, mas também no emocional dos agricultores atingidos.
– O retrato que a gente vê, no ser social, que é o ser humano, é de famílias muito debilitadas. Algumas lavouras eram a única renda que as famílias tinham para passar o ano – diz.
Leia trechos:
Como é o teu trabalho?
Entrei na Emater como engenheira agrônoma e desde 2014 atuo diretamente na área técnica, social e ambiental, que é um dos objetivos centrais da Emater. A propriedade é um conjunto e quando vamos trabalhar com os agricultores, passamos a atuar diretamente na vida deles e com isso acabamos fazendo um pouco parte da família, porque se cria um vínculo. Isso é muito importante de ser feito e mostra a credibilidade que a Emater vem montando há muitos anos no meio rural do RS.
Dentre as funções técnicas entra a tarefa de fazer os laudos?
Uma das minhas atribuições é atuar, juntamente ao Pronaf, na parte de Proagro, que é um seguro agrícola dessa linha. Com esse intuito a gente acaba indo diretamente a campo em um momento de estiagem tão difícil que estamos vivendo, por exemplo. E que não é só na linha de grãos, mas também na produção leiteira, no gado de corte, na falta de água para famílias tendo somente o necessário para beber. Com isso a gente vai a campo vistoriar as lavouras para fazer os laudos e também atuar junto ao município para fazer laudos de Defesa Civil, ressaltado o problema todo.
Como é a rotina das visitas?
Sempre construímos o nosso trabalho em parceria com os colegas, também pela demanda de Proagro ser muito grande, então trabalhamos em equipe para dar conta dessa elevada de pedidos. No terminar do dia, organizamos as demandas conforme a comunidade, pegamos por proximidade, e eu visito as famílias para fazer os laudos. Já estamos recebendo pedidos de soja também, além do milho, que é o grande afetado, no qual as perdas no nosso município são gigantes. Primeiramente, vemos a pessoa da família, que vai estar nos acompanhando durante a vistoria, e depois nos dirigimos à lavoura que foi financiada para avaliarmos a cultura.
O que precisa observar para embasar os laudos?
É uma avaliação de como se encontra a lavoura, de como está a qualidade do grão, o tamanho de espiga, a quantidade de grãos, o número de plantas, a distância entre plantas, a distância entre linhas... e com isso tudo vamos buscar meios de mensurar a produção que estamos avaliando.
O que tem visto nas saídas a campo? Qual o retrato?
Neste ano, no caso do milho, têm lavouras que devido à seca ter sido tão forte não chegaram nem a produzir espigas. Só teve a planta, mas devido à falta de água não se conseguiu fazer a produção de grãos e o espigamento. O agricultor perdeu 100%. Lembrando que muitas propriedades são pequenas, estão destinadas ao gado leiteiro, e a seca afetou diretamente a produção de leite, que caiu drasticamente. O agricultor não tem alimentação para o gado, e quando faz silagem, ela é de baixa qualidade.
O retrato que a gente vê, no ser social, que é o ser humano, é de famílias muito debilitadas. Algumas lavouras eram a única renda que as famílias tinham para passar o ano. Tem lavouras que estão completamente destruídas. Muitos agricultores cogitam a possibilidade de vender a propriedade e ir para o meio urbano. Como a nossa função não é só a técnica, mas a humana também, a gente motiva eles e ressalta a importância, reforça que é um período. Que a desmotivação devido à seca vai passar e que no próximo ano vamos ter uma safra boa.
É possível estimar o tamanho do impacto?
Essa seca vai afetar um conjunto todo. Por todo o giro que temos por parte da rentabilidade das propriedades, vai afetar setores também como o comércio, principalmente por Sananduva ser um município diretamente vinculado ao setor agrícola, onde o maior PIB é deste setor.
Você já tinha visto perdas nesta dimensão?
Até o momento, não. Nos anos que tenho de Emater passei por inúmeras situações, sejam elas de granizo, de seca também ou até mesmo de chuva excessiva ou temporal com muito vento. Mas elas nunca foram tão significativas. A gente vem aqui em Sananduva atuando junto às famílias nos laudos de Proagro desde novembro. O pessoal comenta que essa foi a seca mais grave da última década. Tivemos em 2003, 2004, alguma seca deste tamanho. Mas essa foi a que causou mais danos severos, principalmente na cultura do milho, afetando também toda a construção de trabalho que tem por trás do meio rural.
Para além das perdas financeiras, existe o baque psicológico do produtor. Qual a sua percepção?
Os agricultores estão muito debilitados, desanimados. Nós, como extensionistas rurais que somos, temos que sempre estar motivando e incentivando a permanecerem no meio rural. Além disso tudo, acredito que por também ter sido de família de agricultores, sentimos na pele todo o processo que a seca causou. Sabemos a importância que é ser agricultor e temos um amor muito grande por essa profissão. Queremos que eles permaneçam no meio rural, que construam suas famílias, que o jovem permaneça no campo e para isso tem que ter o social, o ambiental e o econômico ativo e equilibrado.