No ciclo em que a sequência de duas geadas e estiagem reduziu a safra de pêssego no Rio Grande do Sul, a parte final da colheita acabou tendo um gosto especial. Na Serra, as variedades tardias da fruta, diferentemente das precoces e das de ciclo médio, escaparam dos efeitos dos fenômenos climáticos, o que resultou em tamanho, sabor e coloração “excepcionais”, aponta Enio Ângelo Todeschini, extensionista rural na Emater de Caxias do Sul:
— As três últimas (variedades) foram excepcionais de tamanho, sabor e coloração, mas as outras (precoces e de ciclo médio) também. Perderam em calibre, mas tiveram boa coloração e sabor. Então de modo geral foi uma safra de qualidade muito boa, só com volume pela metade.
Pinto Bandeira, Farroupilha, Caxias do Sul e Antônio Prado estão no topo da lista dos maiores produtores de pêssego in natura (para serem consumidos frescos), conforme o Censo Frutícola de 2020 da Emater/RS-Ascar. Na Serra, a produção alcançou 32,85 mil toneladas das 65 mil toneladas esperadas.
Com a oferta reduzida, os preços ficaram maiores: entre R$3 e R$5 o quilo ao produtor, acima da média do ciclo anterior, de R$2, afirma Todeschini. Para o consumidor, ficou entre R$10 e R$15 — sobre R$ 6 e R$ 8.
Maior produtor nacional, o RS investe em pesquisa para o desenvolvimento de cultivares, que têm caído no gosto também de outros países. Duas variedades da Embrapa Clima Temperado, em Pelotas, a BRS kampai e a BRS fascínio, estão sendo vendidas para o Canadá e para a França.
— São variedades brasileiras, cultivadas aqui, pelos nossos produtores e que chegam em países que são bastante exigentes — destaca a pesquisadora Maria do Carmo Bassols Raseira, integrante da equipe desenvolvedora.
As exportações começaram em 2019, com cerca de 20 toneladas sendo embarcadas pela propriedade Irmãos Parise, em Jarinu, no Estado de São Paulo, para a França e para o Canadá. E, em 2020, foram em torno de 60 toneladas também para estes países, aproveitando o período de entressafra.
— Um cliente nosso da França estava fazendo uma visita ao Brasil e foi numa rede de supermercado aqui de São Paulo. Nessa rede, viu o nosso pêssego embalado e falou "esse pêssego aqui dá certo de vender no mercado francês". Então partiu dele essa ideia, ele veio e conversou comigo — conta Rodrigo Parise, um dos responsáveis pela propriedade.
Os ajustes finais para a venda ocorreram em uma feira em Madri, na Espanha, onde também conseguiram um cliente canadense interessado nos produtos.
Segundo Luiz Clovis Belarmino, pesquisador em socioeconomia da Embrapa Clima Temperado, estas foram as primeiras vezes que variedades de pêssegos in natura desenvolvidas pela Embrapa foram exportadas ao Hemisfério Norte sem ser em caráter experimental, levando em conta negociações comerciais e normas de mercado.
Para Maria do Carmo, a aceitação no Exterior foi uma “surpresa”, pois acreditavam que, nesses países, a preferência era pelos pêssegos de polpa amarela e menos doces. Pelo contrário, as duas variedades têm polpa branca e se destacam pela doçura, pela baixa acidez e pela boa firmeza, descreve a pesquisadora.
Esta última característica é uma das que permitem que, ao serem transportadas, as frutas não sejam machucadas facilmente. E é resultado de um trabalho genético, que conseguiu deixar mais resistentes os pêssegos de polpa branca — que tendem a ser macios.
A genética por trás da fruta
A BRS kampai foi lançada como variedade em 2009 e a BRS fascínio, em 2011. Mas o processo para desenvolvê-las começou anos antes por meio da hibridação controlada, processo em que é feito um cruzamento entre plantas de acordo com as características buscadas. A partir disso, são realizadas seleções até que se encontre a fruta desejada. Mas a qualidade, como ressalta a pesquisadora Maria do Carmo, também depende do cuidado dos produtores para que os pessegueiros produzam mais e em bons tamanhos.
Além de São Paulo, as cultivares são produzidas em vários Estados, como Santa Catarina, Paraná, Minas Gerais, Espírito Santo e Rio Grande do Sul (nas regiões de Pelotas, Serra e Porto Alegre, por exemplo). Assim como outras variedades, a BRS kampai e a BRS fascínio se desenvolvem melhor em temperaturas de até 11°C ou 12°C. E nos locais onde o frio é menos frequente, o uso de produtos químicos para quebra de dormência auxilia.
*Colaborou Isadora Garcia