Depois do arroz, a preocupação com a valorização expressiva da soja, com efeito sobre produtos à base do grão, como o óleo, acendeu novo alerta. E estaria fazendo o governo federal considerar a suspensão da tarifa para importação do produto de países de fora do Mercosul. A medida serviria como tentativa de frear os preços altos. Mas será que é necessária? Teria o alcance desejado? Onde seria buscado esse produto?
As perguntas vêm em razão das conhecidas grandezas do Brasil: maior exportador mundial de soja, colheu em 2020 uma safra recorde do grão— 124,8 milhões de toneladas, dado revisado para cima no mais recente levantamento da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), divulgado na quinta-feira (10). Uma das grandes potências do agronegócio global, o país ganhou ainda mais espaço com a disputa comercial travada por um grande concorrente: os Estados Unidos, em disputa com a China, não por acaso, o maior consumidor do planeta.
É importante ressaltar que, neste momento, a Conab está revisando os dados de oferta e demanda do grão, que devem ser apresentados somente no próximo mês. O órgão é a referência oficial sobre o tema. Neste momento, as projeções existentes sobre abastecimento são do mercado. Em recente conversa da coluna sobre o tema, a consultoria Safras & Mercado apontava estoque final da safra 2019/2020 de 961 mil toneladas.
Presidente-executivo da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), André Nassar afirma que as empresas fazem suas compras de forma programada, a partir da projeção, no início do ano, com a demanda puxada pela produção de biodiesel. Com a chegada da pandemia, "mudou tudo":
— Porque mercado interno se retraiu e o externo expandiu, subiu . Houve efeito inverso. Aquele produto para mercado interno passou a ser exportado. Esse efeito de demanda internacional veio mais forte ainda na demanda por grãos. E isso encareceu a soja também.
Mas em agosto o quadro teve nova alteração, com a busca por diesel e por óleo crescendo, compensando em parte o recuo inicial. A retomada vem no momento em que o Brasil já está na entressafra da produção.
— Aí, a soja já está cara, e a exportação de óleo já ocorreu. E isso colocou uma oferta restrita, e, o preço, subiu — explica Nassar.
O volume de soja processada no Brasil em 2020 deve fechar em é recordes 44,6 milhões de toneladas, segundo estimativa da Abiove, com produção de cerca de 9 milhões de toneladas de óleo de soja. Diante de todos esses fatores, o dirigente não vê, no entanto, espaço para falta do produto:
— Muitas vezes se está com a soja ainda por esmagar. Põe a fábrica a funcionar a todo vapor, justamente para não acontecer um movimento desse. As empresas têm de ser inteligente. A menos que não existe mais soja no mercado, o que não é verdade.
Consultor em agronegócios, Carlos Cogo também avalia que a falta de soja ou de óleo, se ocorrer, será pontual. Na necessidade de importação, países como Paraguai ou Estados Unidos poderiam ser fornecedores. Ele não vê na isenção da tarifa a possibilidade contenção de preços.
— Está se focando na consequência, e não na causa. Tivemos um enorme desequilíbrio cambial. E é isso que se precisa refletir — complementa Antônio da Luz, economista da Federação da Agricultura (Farsul).
Ele pontua ainda outro fator a ser considerado: a injeção dos R$ 167 bilhões de auxílio emergencial levou a uma explosão de demanda, "e que gera inflação".