Mineiro, o pesquisador Zander Navarro fez carreira no Rio Grande do Sul. Durante 36 anos atuou na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Nos últimos dias, tornou-se o centro de uma polêmica nacional ao ser desligado da Embrapa após a publicação de artigo no jornal Estado de S. Paulo em que criticava os rumos da estatal, da qual era funcionário desde 2011. Ele conversou com a coluna. Confira trechos da entrevista.
Por que o senhor decidiu escrever e publicar o artigo?
Entrei na Embrapa com um tremendo entusiasmo. Pensei que poderia me dedicar 100% à pesquisa, motivado pela imagem pública de que a Embrapa é uma exceção do Estado brasileiro. À medida que passei a trabalhar, quis conhecer a estatal por dentro. Passei a ler muito a história, conversar com as pessoas. E fui começando a notar problemas. No final de 2014, escrevi um documento _ 70% dos argumentos são os mesmos do artigo. Entreguei não só para o presidente, mas para os dirigentes das 47 unidades da empresa. O resultado foi um processo administrativo. Fui para a comissão de ética, que me absolveu. A partir de 2016, abriram link interno para os pesquisadores conversarem entre si. Me tornei um participante mais ativo, chamando a atenção de pontos fundamentais. Acho um absurdo hoje a empresa não ter uma estratégia. Ficou evidente que a minha inquietação era a de outros também. A Embrapa é hoje um pequeno exército de funcionários públicos ganhando de 60% a 100% acima da média do mercado. Há gente recebendo o teto constitucional (R$ 33,7 mil). E sem a cobrança para escrever uma única página. Em outubro de 2017 escrevi uma carta aberta ao presidente, de certa forma, uma versão ampliada do artigo. Pensei: por dentro, não vai acontecer nada. Vou agora para o público externo. Constitucionalmente, tenho direito a ter uma opinião. E uma vez publicado o artigo, houve reação imediata e uma demissão sumária.
Qual o argumento para a demissão? Pretende recorrer da decisão?
Entrarei na Justiça, pedirei a reintegração do cargo. A justificativa foi a de que sistematicamente tenho tido atos de indisciplina. Para o presidente da Embrapa (Maurício Lopes), manifestações de opiniões diferentes da dele são indisciplina.
O senhor fala no texto que a Embrapa não "ajustou como deveria a sua agenda de pesquisa às demandas crescentes da agropecuária". O que isso significa?
Existem 47 unidades espalhadas pelo Brasil. Quase todas instaladas na década de 1970, início de 1980. Naquela época, o mundo rural era radicalmente diferente. O Brasil exportava somente café. A Embrapa se divide em dois períodos: os primeiros 25 anos e o final dos anos 1990 para cá. O primeiro foi muito bem-sucedido, porque começamos do zero. O que aconteceu na segunda metade, tornou o desafio maior. A estatal não tem dado conta do que foi essa expansão da agropecuária brasileira, em especial no final dos anos 90, com elevações de preços, estimuladas pelas importações chinesas. A agricultura se globalizou fortemente, incorporando tecnologias, buscando dinheiro. É uma agropecuária infinitamente mais complexa. E aí a Embrapa foi se perdendo. Não fez nenhum esforço de compreensão, continuou fazendo o que fazia e isso foi se distanciando da vida real.
Em entrevista recente, o presidente projetou uma Embrapa mais ousada e conectada com o futuro. Como avalia a declaração?
É muito fácil falar sobre futuro. Acaba sendo muito mais um conjunto de frases feitas. Ele não conhece a agropecuária brasileira, a experiência de mergulhar no presente. O mundo rural brasileiro majoritariamente ainda é caracterizado por massas de pobreza rural. Pequenos produtores estão cada vez mais encurralados. Praticamente todos os ramos são tendência de concentração de riquezas. Vamos falar de coisas reais. Temos de entender e interpretar um pouco.