Não é apenas o bolso do consumidor que ainda sente o efeito do que a economia passou nos últimos anos, o caixa das empresas também. De um lado do balcão, a inadimplência de pessoas físicas bateu recorde. Do outro, as recuperações judiciais e falências de empresas dispararam.
O Rio Grande do Sul registrou no primeiro trimestre 41 recuperações judiciais, o que é um salto de 485% na comparação com o mesmo período do ano passado. Nunca se atingiu este número nos primeiros três meses do ano desde que a Junta Comercial, Industrial e de Serviços começou a monitorar esses dados. A elevação se intensificou no segundo semestre do ano passado. Lembrando que a recuperação judicial substituiu a antiga concordata e é um mecanismo usado pelas empresas para ter um fôlego para renegociar dívidas e reestruturar o caixa, mantendo a operação e evitando a quebra do negócio.
O número de falências de empresas gaúchas também subiu muito. Só de janeiro a março de 2024, foram 24, um crescimento de 380% sobre o início de 2023, mas não é recorde. O Estado teve números maiores de falências em 2006 e nos anos antecedentes, quando enfrentou forte seca.
As causas
O cenário agora é de rescaldo da pandemia, com um período de inflação e juro altos, além da quebra na cadeia mundial de suprimentos. O endividamento alto, inclusive das empresas que fizeram expansão com crédito caro, desemboca em problemas sérios de caixa.
- Empresas não perceberam que os pacotes de governo na pandemia injetaram muito dinheiro. Pegou todo mundo com uma dívida extremamente alta, que não consegue mais reverter. É o gordo de 200 quilos que reclama do bolo que comeu ontem. Não foi o bolo o problema. Foram os 20, 30 anos da vida pregressa, quando ele não soube gerenciar a saúde dele - analisa o sócio-fundador da Excellance, Max Mustrangi, que faz reestruturação de empresas.
O administrador judicial Augusto Von Saltiél, da Von Saltiél Administração Judicial, também lembra de negócios impactados pelos efeitos econômicos mundiais da guerra entre Rússia e Ucrânia.
- Algumas empresas que não conseguiram se adaptar ao "novo normal" - comenta o vice-presidente da Junta Comercial, Celio Levandovski, que é contador.
Junto a isso, as empresas acabaram conhecendo mais a ferramenta da recuperação judicial, até mesmo por terem sido credoras em algumas ocasiões, observou à coluna Robson Lima, consultor do escritório MSC Advogados. O preconceito e a apreensão com o mecanismo também diminuíram.
- Recuperações judiciais “populares” - como Oi, Odebrecht e, especialmente, Americanas - ajudaram a popularizar o instituto, talvez visto hoje como mais uma ferramenta para a gestão dos negócios - analisa o administrador judicial José Paulo Japur, sócio da Brizola e Japur Administradora Judicial.
As tendências
Mas qual a tendência? O Banco Central vem reduzindo a taxa de juro Selic, o que, aos poucos, já começou a chegar ao sistema bancário. O Estado terá safra cheia, mesmo que com cotações mais baixas para venda.
Quanto ao consumo, que move as empresas, a inflação mais baixa e os reajustes de salários mais altos tendem a aumentá-lo. Porém, há no horizonte gaúcho um aumento de ICMS após o racha entre os empresários e vem uma pressão internacional para Petrobras elevar preços de combustíveis.
- A indústria também tem praticado aumentos como reposição de perdas, o que tem feito supermercados perderem margem. A conta não vai fechar - acrescenta Celio Levandovski.
Relembre o podcast Nossa Economia, de GZH, com o economista da Serasa Experian analisando a alta da inadimplência, que se aproxima do recorde novamente:
É assinante mas ainda não recebe a cartinha semanal exclusiva da Giane Guerra? Clique aqui e se inscreva.
Coluna Giane Guerra (giane.guerra@rdgaucha.com.br)
Com Vitor Netto (vitor.netto@rdgaucha.com.br e Guilherme Gonçalves (guilherme.goncalves@zerohora.com.br)
Leia aqui outras notícias da coluna