Transportadoras lidam com insegurança para receber o pagamento por serviços de fretes internacionais da Argentina. Presidente da Associação Brasileira de Transportadores Internacionais (ABTI), Francisco Cardoso explicou à coluna que, em abril, o Banco Central argentino, em uma tentativa de segurar dólares no país, publicou uma norma para que os fretes internacionais só fossem pagos após 90 dias da realização do serviço. Em maio, adicionou uma outra condição: para receber, é preciso ter uma licença prévia.
—Foi aí que começou nossa preocupação e insegurança, porque não havia orientações claras de como fazer a licença. Depois, descobrimos que tinha várias etapas. Calcular a capacidade econômico-financeira da transportadora, esperar a Receita argentina analisar, encaminhar para Secretaria do Comércio Exterior. Tudo isso pode levar 60 dias. Então são 90 dias corridos, e outros 60 dias de análise, com o risco do pagamento ser negado — explica Cardoso, que também é dono da gaúcha Interlink Cargo, de Cachoeirinha.
O pagamento do frete internacional costuma ser feito pela empresa que compra o produto. Ou seja, a Argentina adquire algo do Brasil, que é levado ao país vizinho por uma transportadora. A compradora paga o produto à empresa, e o frete diretamente ao transportador. Geralmente, o frete podia ser pago em pesos e então as empresas acessavam o mercado de câmbio para enviar as moedas para o Brasil. Esse processo, agora, que precisa esperar 90 dias. Isso gera um segundo problema, que é o risco de, com a inflação argentina, o pagamento se desvalorizar.
De acordo com o cálculo da entidade, já há cerca de US$ 150 milhões a serem pagos para transportadoras brasileiras nesse impasse. Também estimam que, a cada mês, esse número vá crescer US$ 50 milhões. O impacto é nacional, porque há empresas de todo país fazendo frete para Argentina, mas a maioria fica no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina.
— Estamos falando de milhões de dólares. Eu conheço uma empresa que, sozinha, tem US$ 10 milhões a receber. O que vai acontecer é que menos empresas vão querer transportar para Argentina. As marítimas praticamente não embarcam mais, a não ser que seja pré-pago. Muitas transportadoras estão avisando que não vão mais levar produtos para lá — comenta Cardoso.
Ou seja, há outro impacto indireto, que pode ser a redução das exportações de empresas gaúchas ao país vizinho. Para a Argentina, o risco de ver o frete disparar, pressionando ainda mais a inflação.
De acordo com o presidente da entidade, a situação já foi comunicada ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), ao Ministério da Fazenda, ao Ministério dos Transportes, à Casa Civil e à Presidência da República. Entre as demandas, sugerem novas linhas de crédito para o setor e que caso o Brasil realize ou apoie uma linha de crédito internacional para a Argentina, que o faça com a contrapartida de que este recurso seja para pagamento de empresas exportadoras e transportadoras brasileiras.
— Algumas empresas terão capacidade maior do que outras, mas todas têm limite. A palavras-chave são risco de desvalorização e incerteza de quando vai poder contar com o dinheiro.
A situação está sendo acompanhada também pelo Sindicato das Empresas de Transporte de Cargas e Logística do Rio Grande do Sul (Setcergs), que sinaliza que "essa alteração tem causado impactos negativos no fluxo de caixa, capital de giro e saúde financeira das transportadoras, que enfrentam altos custos financeiros e escassez de linhas de crédito para lidar com essa nova determinação argentina".
Coluna Giane Guerra (giane.guerra@rdgaucha.com.br)
Equipe: Daniel Giussani (daniel.giussani@zerohora.com.br) e Guilherme Gonçalves (guilherme.goncalves@zerohora.com.br)
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