Após enfrentar um ano de escassez de insumos, principalmente semicondutores, a indústria automotiva agora lida com a falta de demanda. A produção até aumentou sobre o ano passado, mas a base de comparação é baixa, já que estava no menor nível de 2004. O programa Gaúcha Atualidade, da Rádio Gaúcha, conversou com o presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Márcio de Lima Leite. Confira trechos abaixo e o áudio na íntegra no final da coluna.
O resultado foi sustentado pelas encomendas de locadoras. Essa renovação de frota se esgotou?
As vendas às locadoras têm que se mantido em um patamar bom, aquecido, mas sem grandes alterações. No final de março, percebemos um crescimento superior.
Quanto o juro alto pesa na retração de vendas?
Vamos fazer uma análise simples. Há dois anos, 70% eram vendas a prazo e 30% à vista. Historicamente, é um mercado que demanda pelo crédito. A inversão foi grande. Estamos fechando com 67% à vista e 33% a prazo. O consumidor classe média que busca a renovação do veículo depende do crédito, que sumiu. Hoje, um financiamento na pessoa física supera 30% ao ano com encargos. Isso tem um peso.
Há possibilidade de o FGTS vir a ser liberado para compra do carro novo, como a entidade levantou?
No Chile, a liberação do fundo de pensão levou o mercado a um crescimento extraordinário. É o que o Brasil precisa, pois estamos com uma frota envelhecida. Imagina: você tem uma poupança que remunera 3% ao ano, enquanto o mercado financeiro paga 13,75% a taxa Selic. Ano após ano, está perdendo 10% do valor (no fundo de garantia). Há programas para retirada para imóveis e o saque aniversário, sem qualquer vínculo. Estamos falando de uma questão social e econômica. Primeiro, renovação da frota. O veículo antigo consome 23 vezes mais do que o novo. Tem a questão ambiental e o aquecimento do mercado. Defende sim que o trabalhador possa usar o recurso, com critérios, obviamente. Teria um efeito extraordinário em vendas e geração de empregos.
Como está a negociação com o governo para a volta do carro popular?
É um outro item da agenda, que chamamos de carro verde. A Anfavea foi procurada pelo governo, apresentamos informações, acompanhamos, mas não temos participado diretamente do debate por uma questão simples: envolve preço. O governo chegou a falar que queria um carro de R$ 45 mil, R$ 50 mil. Então, as montadoras têm sido chamadas individualmente e conversado com o governo, que está analisando todas as alternativas, como crédito, FGTS e tributos.
Em paralelo, tem como reduzir os preços ou só com menos imposto?
Houve uma inflação gigante na pandemia. Os insumos do setor cresceram absurdamente, muitos até em falta. Mas é inegável que o mercado dita as regras. Quando começa a ter um arrefecimento, as coisas tendem a voltar à normalidade. Se pegarmos o Fusca, o primeiro veículo popular lançado na época do então presidente Itamar Franco, e corrigirmos apenas pela inflação, não estou falando de juros, custaria hoje mais de R$ 80 mil. Ele não tinha o retrovisor do lado direito nem cinto de segurança, airbag, ABS, conectividade ou barras de proteção laterais. O que se vê é perda de renda da população.
Quando que os carros elétricos ficarão menos caros?
O investimento hoje para uma fábrica de baterias é de US$ 4 bilhões. Estamos falando de muito dinheiro. Então tem que ter uma demanda muito forte para justificar. Naturalmente, está acontecendo. No ano passado, fechamos com 50 mil unidades de eletrificados. Por outro lado, o Brasil não tem a pressa da Europa e dos Estados Unidos, porque nós temos o etanol como alternativa de descarbonização, com custo muito menor e acessível para o consumidor. Nós temos que trabalhar com o elétrico no tempo certo.
O etanol pode voltar a brilhar após ter ficado de lado por mais de uma década?
Não tenho dúvida. É parte importante da solução para a descarbonização no país. Falei muito sobre o etanol recentemente com os ministros de Minas e Energia, Alexandre Silveira, e do Meio Ambiente, Marina Silva. Falta uma campanha para o uso. O jovem que chega em um posto não tem conhecimento de que, ao abastecer com o etanol, vai contribuir para o meio ambiente. Ele tem uma pegada verde muito forte. Sobre o preço, algumas tratativas tributárias vêm sendo feitas. Lembrando que o Brasil tem um compromisso de ter 50% de descarbonização até 2035 e 100% até 2050. O etanol é fundamental e uma solução pronta que temos no país.
Colaborou Vitor Netto
Ouça a entrevista na íntegra:
Coluna Giane Guerra (giane.guerra@rdgaucha.com.br)
Equipe: Daniel Giussani (daniel.giussani@zerohora.com.br) e Guilherme Gonçalves (guilherme.goncalves@zerohora.com.br)
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