O piloto que comanda a Gol tem forte ligação emocional com Porto Alegre e vê o Rio Grande do Sul como uma das grandes apostas para o crescimento da companhia. Celso Ferrer, CEO da empresa desde a metade do ano passado, conversou com a coluna e falou sobre o plano de retomada com a volta da demanda (quase que esvaziada durante a pandemia). Ele também comentou sobre como os preços das passagens são formados e quais as dicas para conseguir uma boa tarifa. Ainda, avaliou o projeto do governo federal de oferecer voos a R$ 200. Confira trechos abaixo e a íntegra em vídeo e em áudio ao longo da coluna.
Já conseguiram retomar os patamares de fluxo de passageiros de antes da pandemia?
Tivemos os três anos mais difíceis da história do setor, principalmente porque quando não tem demanda não tem nada. Passamos de 800 voos por dia para 50. Agora, estamos retomando. Em alguns dias do ano passado, já estivemos, novamente, próximos aos 800 voos diários. O quarto trimestre, no caso da Gol, foi onde crescemos, de fato, para um patamar compatível com o tamanho da companhia. Tanto para os clientes, que, por exemplo, quando chegam no aeroporto de Porto Alegre, esperam ter várias opções e frequências de voos, e tanto para o número de funcionários e de aviões. Tomamos uma decisão desde o primeiro dia de pandemia, que foi de não fazer demissões em massa. Fizemos os acordos com os sindicatos, com toda a nossa tripulação. Durou mais do que imaginávamos, mas felizmente conseguimos chegar no finalzinho de 2022 montando o ciclo virtuoso do ponto de vista econômico, que foi quebrado durante a pandemia. Então, entramos em 2023 praticamente do tamanho que éramos em 2019.
Qual a perspectiva para os preços das passagens dentro desse cenário, que é de ter demanda para gerar o ciclo produtivo?
O preço varia em função do custo. Quero chamar atenção para dois tipos de custos: o relacionado e o não relacionado ao combustível, que é o querosene de aviação. Hoje, buscando o nosso propósito de dar acesso, o custo sem ser o de combustível é mais baixo do que em 2019. E estamos focados em baixá-lo ainda mais. Mas ele está atrelado ao dólar, que está mais alto do que no pré-pandemia. Agora, o grande vilão tem sido o combustível, principalmente desde o início do conflito entre Rússia e Ucrânia. O combustível pago "na bomba", para nós, hoje, é 124% maior do que em 2019. E ele é dolarizado, como se estivéssemos importando o combustível, mas a maioria é produzido aqui. Esse é o maior debate que temos hoje. O combustível pago no Brasil é 49% mais caro do que nos Estados Unidos, por motivos de impostos, mas também pela questão da precificação. Essa é uma agenda forte do setor. A combinação disso é que resulta nas tarifas.
O que tem sido feito?
Não deixamos de ter precificação dinâmica, de ter promoção. A tarifa média da Gol do quatro trimestre foi de R$ 550. Um voo médio tem cerca de de 1,3 mil quilômetros, praticamente a distância entre Porto Alegre e São Paulo. Em um ônibus leito fazendo essa rota, paga-se hoje R$ 622. A tarifa média da Gol é mais baixa. Mas isso não significa que vendemos todas as passagens a R$ 550. Temos promoções, programa de fidelidade, segmentação por cliente, renda. Em um mesmo voo, haverá quem pagou mais de R$ 2 mil e quem pagou R$ 200. Pode ser pelos motivos da viagem, a permanência no destino e o momento da compra diferente. Queremos que o cliente entenda a maneira que a gente precifica, entenda isso, e ajude no nosso crescimento. Para crescer, precisamos trazer mais segmentos, pessoas que hoje estão fora do nosso alcance por uma questão de renda. Desde 26 de março, a gente tem 13 voos diários entre Congonhas (SP) e Porto Alegre, sem contar Guarulhos.
Quantos voos eram antes entre Porto Alegre e Congonhas?
Entre 10 a 11, dependendo do dia da semana. Agora, vamos para 13. E estamos voltando com o voo de Caxias do Sul para Congonhas, que também é uma ótima novidade pro Estado.
Vocês têm uma aposta grande na aviação regional aqui, certo?
Exato. Porto Alegre é muito importante pra nós, e estamos aumentando as frequências na medida que o mercado corporativo volta. Mas queremos mais. Encontramos no Estado do Rio Grande do Sul uma escuta ativa por parte do governo e da sociedade para um projeto de expansão que nos leva para o interior de verdade. Quando fazemos isso com aviões pequenos, damos a possibilidade de alguém substituir um ônibus por um avião, mas são poucas pessoas, porque há pouco assento, o que o torna caro. Mas temos colocado, em cidades como Pelotas, aviões maiores do que precisaria, acreditando que isso gerará demanda. Fazemos também isso em Passo Fundo, onde colocamos um Boeing. Em outros municípios, que até então nem tinham serviço aéreo, colocamos ATR direto para São Paulo. Estamos resgatando o começo da história da Gol, quando olhávamos até o número de ligações telefôncias entre cidades para entender o mercado. Aí, colocávamos um voo e a demanda aumentava. Chamávamos isso de efeito Gol. O que fazemos hoje em Santo Ângelo, em Pelotas, em Passo Fundo, é o efeito Gol. Estamos investindo pra valer no Rio Grande do Sul. Tem sido um resgate na nossa própria história.
Falando nisso, conte mais sobre a sua ligação com Porto Alegre.
Sempre gostei de aviação. Sempre sonhei em ingressar em uma companhia aérea, ser piloto da Varig, mas era muito difícil de entrar e eu não tinha condição de ter a formação necessária naquele momento. Mas quando você tem um objetivo muito forte, parece que a vida vai te mostrando que vale a pena ter o sonho. Eu vim trabalhar na Gol como estagiário com o sonho de voar, e aqui dentro as pessoas me incentivaram a correr atrás do sonho de ser piloto. Oito anos depois, enquanto eu trabalhava na área de planejamento de rotas, consegui as horas, me formei e virei piloto na Gol. Meu instrutor era de Porto Alegre. Eu convivi muito com as tripulações do Rio Grande do Sul. A Gol abriu uma base em Porto Alegre e eu ficava muito próximo da região, prestigiando a Zero Hora nos cafés da manhã antes do voo, falando com os gaúchos.
Se você fosse comprar uma passagem aérea hoje, o que faria para pagar mais barato?
De uma maneira geral, quanto maior a antecedência, mais barata é a tarifa. Outra coisa que fazemos é precificar conforme a data. Uma véspera de feriado, mesmo com antecedência, é mais cara, porque tem uma demanda desproporcional. Todo mundo quer ir na sexta-feira, na véspera de um feriado. Então, evite datas que são idas e voltas de feriados. Se eu abrir a R$ 500 para a véspera do 7 de Setembro, o voo enche em menos de uma hora. Eu deixo de ter esse voo, e perco a oportunidade de vender para alguém que só descobriu que precisaria viajar dois dias antes. O que fazemos é proteger. Eu começo a vender o voo em uma tarifa mais alta e vou vendo como ele reage. Agora os outros, que não são em véspera do feriado, estão vazios hoje. Na medida que vai enchendo uma classe de tarifa, abre outra. Então, se possível, evite véspera de feriado, sexta-feira à noite, domingo à noite, segunda de manhã. Compre no meio da semana. Tire férias indo e voltando no meio da semana. Escolha voos no meio do dia, porque tem menos demanda.
Tem mais novidade aqui para o Rio Grande do Sul?
Estamos voando em Pelotas, Uruguaiana, Santo Ângelo e Santa Maria, todos conectados a São Paulo. Retomamos voos importantes, também ligando capitais, como Porto Alegre a Curitiba e a Florianópolis, que são mercados importantes. E temos Gramado. A serra gaúcha é um dos melhores exemplos de turismo que temos no Brasil, com bom atendimento, profissionais preparados para lidar com o turismo. Desde dezembro, a nossa alta temporada no Rio Grande do Sul está começando mais cedo, a partir de novembro. Então em novembro e dezembro a gente começa a colocar voos onde o fluxo é muito forte. Começa aquele calorão de Porto Alegre, todo mundo quer fugir, e a gente usa esses voos em janeiro para escoar os turistas. Na alta temporada e festas, voamos de Porto Alegre direto para Campo Grande, Belo Horizonte, Fortaleza, Maceió, Natal, Recife, Cuiabá e Salvador. Essa é uma aposta que fizemos na alta temporada, deu certo. Queremos fazer o mesmo na próxima. Na medida que sentimos que esses voos podem ficar, o mantemos, como o de Porto Alegre a Salvador, que nunca teve voo direto,e agora deixamos o ano inteiro. Queremos voltar a fazer Porto Alegre a Galeão, outro aeroporto do Rio de Janeiro.
Qual sua avaliação sobre a proposta do ministro Márcio França para ter programa de venda de passagens populares a R$ 200?
Vejo com bons olhos qualquer iniciativa para expandir o setor. A nossa agenda governamental tem sido de que o setor precisa voltar a crescer. A Gol entrou no mercado, o Brasil tinha 30 milhões de pessoas voando por ano. Com nossa ajuda, na primeira década dos anos 2000, o Brasil passou a 100 milhões de passageiros. De 2011 pra cá, estamos praticamente estagnados como indústria. Não conseguimos sair disso, a agenda de custo foi muito pesada pro setor. Tiveram algumas crises, como em 2015 e 2016, que também foram duras, fora a pandemia. A nossa agenda tem sido sim de crescimento, e quando se fala nela, o governo olha e fala que o problema é acesso. Como melhorar o acesso? Acho que esse foi o espírito que o ministro Márcio França colocou. O que tem sido o nosso posicionamento? Ainda não sabemos exatamente como isso vai ficar, mas nos engajamos em um grupo de trabalho. O que é mais importante para a Gol? Garantir que, qualquer programa que exista, seja pra trazer novos usuários para o sistema de transporte aéreo. Temos tarifas abaixo de R$ 200. O que não queremos é que o programa seja usado para pegar as passagens que já existem. Agora, se pudermos falar em um programa de passagens de até R$ 200 que vai trazer alguém que ainda não faz parte desse sistema, que não vai canibalizar a demanda existente, que vai ser adicional, a gente vê com muito bons olhos. Estamos olhando para os períodos de baixa temporada, que vai de fevereiro a junho e depois de agosto a novembro. Tem voo saindo com ocupação baixa e que poderia ter cliente adicional. A missão desse programa é pensar em regras que não engessem, mas que de fato façam com que a gente consiga colocar no avião alguém que antes não entraria. O que temos é isso, vamos entrar nesse grupo de trabalho. Acho que as outras companhias estão tomando as decisões delas também. A Gol tomou a decisão de participar desse grupo de trabalho e explorar essa ideia. Queremos fazer o setor crescer.
Ouça a entrevista na íntegra:
Participação de mercado
De acordo com os dados da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), a Gol fechou 2022 em segundo lugar na participação de mercado entre as companhias áreas brasileiras, com 28,83%. O número leva em consideração a quantidade de passageiro por quilômetro pago (RPK, no jargão do setor). Em primeiro lugar ficou a Latam, com 43,25%. Já em terceiro, ficou a Azul, bem colada da Gol, com 27,6%. O índice considera tanto viagens domésticas como internacionais.
Coluna Giane Guerra (giane.guerra@rdgaucha.com.br)
Equipe: Daniel Giussani (daniel.giussani@zerohora.com.br) e Guilherme Gonçalves (guilherme.goncalves@zerohora.com.br)
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