Presidente da Comissão Especial de Falências e Recuperação Judicial da Ordem dos Advogados do Brasil no Rio Grande do Sul (OAB/RS), Roberto Monlleo Martins da Silva acredita que uma das principais missões da Americanas é restabelecer a confiança e a credibilidade em todas as frentes: com credores, fornecedores e consumidores. A empresa começou ontem um processo de recuperação judicial com dívidas de R$ 43 bilhões. Ele vê como inevitável uma reorganização da estrutura administrativa, de funcionários e de lojas físicas. Também falou quais serão os próximos passos do processo. Confira trechos abaixo.
Imagino que a recuperação judicial da Americanas não é um processo normal, na média do mercado. Foi inclusive protocolada com urgência. Há alguma diferença?
Sim, é um processo diferente, pelo tamanho da dívida, entre as maiores do país até hoje, mas especialmente pelas suspeitas de irregularidades contábeis e gerenciais. A urgência se deu pois a Americanas havia buscado uma medida judicial para preservar recursos em caixa, e através dessa medida, tinha conseguido uma liminar para liberação de recursos dos bancos credores. No entanto, o BTG conseguiu uma outra decisão judicial para preservar o valor de R$ 1,2 bilhão. Isso abriu caminho para outros credores buscarem a mesma medida protetiva de seus créditos.
Como ficam os R$ 20 bilhões do rombo contábil e os outros R$ 23 bihões das liquidações antecipadas que poderiam ocorrer?
Esse ponto ainda exige uma análise mais profunda, bem como esclarecimentos dos sócios, dos executivos e da auditoria externa (PWC), que não havia indicado essas eventuais inconsistências no relatório.
Mas ficam suspensos?
As dívidas são suspensas, viabilizando a preservação do caixa da companhia. Logicamente, há dívidas que não se submetem ao processo de recuperação judicial, especialmente em função da natureza do contrato e suas garantias. Mas nessa primeira etapa processual, é comum que até elas aguardem os movimentos judiciais.
Quanto tempo ela terá para apresentar o plano de restruturação a credores? Segue a legislação normal de recuperação judicial?
O plano deve ser apresentado no prazo de 60 dias, contados da decisão que deferiu o processamento da recuperação judicial.
Uma eventual capitalização pelos sócios de referência, que o mercado está pedindo, influencia?
Com certeza. Quando os principais sócios se comprometem financeiramente com a solução da crise da empresa, os demais credores e o mercado como um todo interpretam positivamente. Essa atitude demonstra que eles confiam no negócio e na sua reestruturação. E isso estimula os credores até mesmo a viabilizar algumas concessões para permitir que o caixa provenha recursos para pagar o endividamento.
É difícil antecipar como deve ser a reestruturação proposta, mas muitas vezes mexe na operação para mantê-la. A Americanas tem 1,8 mil lojas no país, um número imenso de funcionários. A tendência é de enxugamento da estrutura?
Entendo que o setor deve passar por uma transformação estrutural. É uma atividade que demanda capital intensivo para manter o fluxo de caixa saudável. Inevitavelmente haverá reorganização na sua estrutura administrativa, de funcionários e de lojas físicas.
Há vendedores que estão cancelando as vendas pelo marketplace. Consumidores estão com receio. Fornecedores tem medo de calote. Como conduzir a relação com esses grupos?
Esse é momento de uma instabilidade muito grande, não só pelo fato de ter uma semana atrás todas as declarações do ex-CEO direcionando para uma eventual fraude, mas todo e qualquer processo de recuperação judicial gera um desconforto ou insegurança de que a empresa busca esse procedimento vai honrar com seus compromissos. É um momento de muita instabilidade, mas o papel dos executivos, dos sócios, é de restabelecer essas pontes de confiança. Restabelecer a credibilidade de que aquilo que tinha sido pré-contratado será cumprido. Que as novas relações comerciais de compra de produtos, dos fornecedores, a ponta final do consumidor, serão honradas. Há uma grande crise de confiança, e é o papel dos executivos restabelecê-la.
Quais os próximos capítulos e o que requer atenção neste processo?
Nesse caso, entendo que o principal é a apuração de eventuais irregularidades levantadas e os efetivos motivos que direcionaram o grupo a entrar em uma situação de crise e de instabilidade operacional. Após, verificar quais serão as medidas utilizadas para a reorganização da operação e do negócio como um todo. E como será a forma de pagamento dos credores e se, de fato, será viável o cumprimento do plano de recuperação.
Coluna Giane Guerra (giane.guerra@rdgaucha.com.br)
Equipe: Daniel Giussani (daniel.giussani@zerohora.com.br) e Guilherme Gonçalves (guilherme.goncalves@zerohora.com.br)
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