O noticiário econômico dos últimos dias está tomado da expressão "teto de gastos". É por causa dele que a bolsa de valores está despencando hoje e o dólar está disparando a R$ 5,67. O governo federal quis aumentar o valor do Auxílio Brasil para R$ 400, o que, estima-se, vai furar o teto em R$ 30 bilhões. O presidente Jair Bolsonaro disse ontem que respeitaria esse limite de responsabilidade fiscal, mas, horas depois, o ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou que poderia se pedir uma "licença" para furar o teto de gastos, sim. O assunto, claro, gera divergência entre equipes política e econômica.
Enfim, nada contra um plano de ajuda à população mais pobre. O problema é o governo gastar mais do que recebe - como é ruim no orçamento da nossa casa - sem ter clareza de onde vai se tirar esse dinheiro. Qual área vai perder recursos? Ou teria novo aumento de tributos? Para bancar o programa até dezembro, já se elevou o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) temporariamente. A ideia de pegar recursos da tributação de lucros e dividendos de empresas na reforma do Imposto de Renda (IR) parece cada vez mais distante. Em entrevista ao Gaúcha Atualidade, o relator da proposta no Senado, Angelo Coronel (PSD-BA), disse que discorda totalmente da tributação e sinalizou que o projeto não tramitará com a rapidez que o governo quer.
Também não é só sobre os R$ 30 bilhões para bancar o Auxílio Brasil maior, mas, como li em uma análise do mercado financeiro: "por onde passa um boi, passa uma boiada". Novos descumprimentos seriam ainda mais fáceis e corriqueiros. Investidores que apostam no Brasil e empresas que trabalham para o governo recuam. Com isso, o real se desvaloriza - mais ainda - em relação ao dólar. Isso turbina a - já alta - inflação. Preços subindo demais fazem o Banco Central aumentar o ritmo de alta da taxa Selic, referência para o juro brasileiro. Isso deixa o crédito - ainda - mais caro para empresas e consumidores. A economia, que ainda tenta se recuperar da pandemia, trava.
Para ajudar na compreensão do que está acontecendo, a coluna enviou para dois economistas a pergunta "Por que, afinal, o teto de gastos é tão importante?". Confira as respostas:
Economista da Quantitas Asset, João Fernandes:
"Ele impede que as despesas cresçam em um ritmo que necessite elevação da dívida pública. Representa uma barreira estrutural para que ao longo de diferentes governos, conjunturas econômicas ou disponibilidade de recursos o Estado não possa ultrapassar um limite de gasto público. Há momentos, claro, em que, por determinadas razões, um ano específico possa ter um volume maior de receitas (um exemplo comum de um tipo de receita não recorrente seria o dividendo de uma estatal). O problema é que, sem um teto dos gastos, o que nós observamos historicamente no Brasil é que quando há um aumento de receita, e o governo por conta disso elevou a despesa, no período seguinte quando aquela receita não estava mais disponível a despesa continuou. Seja por opção dos membros do executivo, por rigidez constitucional da própria despesa... O ponto é que as receitas oscilam, sobem e descem conforme o ciclo econômico. Mas as despesas, quando aprovadas, ficam. E, no momento em que há uma queda de receita, para pagar aquela despesa mais alta, o governo tem que se endividar. Isso gera aumento de juros e inflação, e, em última instância, baixo crescimento e aumento do desemprego. O teto dos gastos garante um crescimento de despesas que, a longo prazo, mesmo com receitas oscilando, será possível pagar sem aumentar a dívida pública."
Economista-chefe da Câmara de Dirigentes Lojistas de Porto Alegre (CDL Porto Alegre), Oscar Frank:
"O teto de gastos é um compromisso de boa gestão das contas públicas. Pela regra, temos sinal de que o governo não vai emitir grandes quantidades de dívida para financiar suas necessidades nem imprimir moeda, que foi o expediente adotado nas décadas de 80 e 90. Isso gerou uma aceleração da inflação. Estudos mostram que a regra do teto de gastos foi bastante efetiva para reduzir a taxa de juro brasileira de forma estrutural e sustentada, fomentando o desenvolvimento, o mercado de crédito e o desenvolvimento do país."
Sobre o assunto, ouça também o podcast da colunista Kelly Matos:
Coluna Giane Guerra (giane.guerra@rdgaucha.com.br)
Colaborou Daniel Giussani (daniel.giussani@zerohora.com.br)
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