A crise de semicondutores tem trazido calafrios para a indústria mundial, principalmente a automotiva. O problema começou no ano passado, quando fábricas pararam no início da pandemia. Na sequência, a demanda voltou aquecida, enfrentando o descompasso de procura e produção. O que agravou a situação foi um incêndio em uma fábrica de chips no Japão, importante fornecedor mundial.
A coluna já falou sobre esse problema várias vezes, e é recorrente, quando cita a falta desse material, receber mensagens sobre a Ceitec, fábrica de chips de Porto Alegre que entrou em liquidação no ano passado. O programa Gaúcha Atualidade, da Rádio Gaúcha, ouviu o presidente da Associação dos Colaboradores da Ceitec (ACCEITEC), Silvio Luis Santos Júnior, para saber se a empresa conseguiria produzir os semicondutores que estão em falta nas indústrias. Também falou com Abílio Eustáquio de Andrade Neto, liquidante da empresa. Confira:
Entrevista com Silvio Luis Santos Júnior, presidente da ACCEITEC:
Foi muito discutida a existência da Ceitec porque ela dava prejuízo. E agora, com a crise de semicondutores, justificaria a volta da operação?
A questão do prejuízo da companhia não pode ser avaliada simplesmente pelo fluxo de caixa da empresa. A Ceitec, quando foi pensada, nos governos passados, foi um projeto de Estado brasileiro, que era para fazer, justamente, a atração do desenvolvimento da cadeia de semicondutores para o Brasil. Tentativas que já haviam acontecido nas décadas de 1970, 1980 e 1990. E a Ceitec era para ser uma associação civil publica que teria parceria com universidades e centros de pesquisa. Aí, vieram os equipamentos, foram doados pela Motorola para se constituir a Ceitec. Em 2008, acabou sendo federalizada e passou a ser uma empresa pública que teve seu CNPJ em 2009. E somente em 2012, teve sua primeira contratação em concurso público. Se colocarmos nessa linha temporal, a Ceitec nasce em 2012, e até 2017 a fábrica estava em implementação, com conexão dos equipamentos, aquisição de novos equipamentos para linhas produtivas e transferência de tecnologia. Então, nós temos uma empresa super nova, se considerarmos de 2017 a 2021, com competências únicas no Brasil. Nenhuma outra empresa brasileira possui as infraestruturas que a Ceitec possui nem a sua competência do quadro técnico. São muitos doutores, pós doutores, mestres e graduados, e técnicos. O que isso representa? 50% do segmento de pedágios são chips da Ceitec. Etiquetas para estacionamentos, além de ter colocado recentemente uma patente internacional no segmento de pneus para rastreamento da Pirelli. Então, a Pirelli conta hoje com uma patente global com chip da Ceitec. Então, falar em prejuízo, em investimento, a gente pode dizer que não foi muito investido, e a Ceitec fez muito com que ele recebeu de investimento. É uma criança de cinco anos sendo cobrada como um universitário que está finalizando o curso.
O que poderia ser feito hoje para ele retomar a produção em um nível aceitável e viável?
Primeiramente, teria que ser feito um novo planejamento, novo plano de negócio da empresa. Hoje, não temos. A empresa está em liquidação, onde a atividade produtiva está praticamente paralisada. As pessoas que faziam projetos do chip já estão trabalhando em empresas estrangeiras, mesmo que em solo brasileiro, onde essas empresas detêm o capital intelectual deles. O time de processo, que desenvolve o chip sobre o silício, também foi dispensado. Então, não temos uma equipe hoje para desenvolvimento de produtos. O que temos é uma equipe administrativa que cuida da liquidação e uma equipe de manutenção de engenharia que cuida dos ativos da empresa. Para fazer qualquer tipo de desenvolvimento de um novo produto, teríamos que ter um plano de negócios estruturado com a realidade da Ceitec e a necessidade do mercado. Quem deveria nos dar o norte é o mercado, mas para isso temos que reverter o quadro da liquidação, constituir novas diretorias na Ceitec técnicas, e não políticas, e fazer parcerias com grandes empresas internacionais que hoje estão investindo massivamente e em busca de estruturas como a Ceitec tem. O governo deveria se reposicionar: faz o stop da liquidação, faz um plano de negócio adequado, e ai conseguimos partir para parte administrativa.
Considerando o que o mercado precisa hoje, os tipos de semicondutores que são necessários atualmente por essas empresas, qual a capacidade da Ceitec da produção desse tipo de chip?
Como eu disse antes, depende do produto. A Ceitec tem uma tecnologia de fabricação sobre o silício, que é a construção do chip, é uma tecnologia madura. Com essa tecnologia hoje, sem fazer modificações, nós já conseguiríamos atender a indústria automotiva com diversos dispositivos, sensores principalmente. Os carros hoje são todos sensoreados. Aquele tipo de tecnologia atende perfeitamente a uma gama de produtos demandados. Mas poderíamos melhorar e ir além disso, porque a infraestrutura do parque tecnológico da Ceitec permite chegar a até 150 nanômetros. Isso já abocanha uma tecnologia muito maior dos dispositivos automotivos, bem como aviônicos, militares, da linha branca. Temos uma sequência grande de produtos. Agora, podemos fazer todos? Temos que escolher quais, porque existem produtos que são inviáveis de fazer no mesmo ambiente. Então temos que fazer uma escolha do que o mercado de semicondutores demanda para adequarmos nossas infraestruturas para atender aquele mercado.
Entrevista com Abílio Eustáquio de Andrade Neto, liquidante da Ceitec
A atual conjuntura de escassez de semicondutores não justificaria o retorno da Ceitec?
A empresa Ceitec está em liquidação, como você disse. Foi feito um estudo em 2019 chamado de CPTI e, por uma decisão unanime, sete ministros e mais três presidentes de banco decidiram unanimemente por indicar a liquidação de uma empresa estatal. O grande problema é que as pessoas distorcem as coisas, imaginando que a fábrica Ceitec será fechada. Não é isso, foi feito um decreto de liquidação e, no mesmo decreto, foi feita uma parte de liquidação e outra parte de publicização. A publicização nada mais é do que o aproveitamento do conhecimento de todos os funcionários que existiam aqui, que durante uma década fizeram pesquisa e desenvolvimento. Esse pessoal poderá ser aproveitado por uma organização social (OS) que está sendo feito um chamamento do Ministério de Ciência e Tecnologia (MCTI), que publicou um edital para o chamamento de uma empresa a ser criada, uma organização social. O MCTI já tem no momento seis OS que administraram, e tem conhecimento nessa área. Para a preservação do conhecimento de todo desenvolvimento que foi feito, de pesquisa, é feito esse chamamento da criação da OS. Com a parte fabril, a nossa intenção aqui na parte da liquidação - e isso consta no meu plano de trabalho, porque o liquidante ao ser empossado faz um plano de trabalho aprovado pelo Ministério da Economia - é de vender o ativo, o complexo fabril que existe aqui, e não o fechamento.
Mas isso ocorreria quando?
No decorrer do tempo da liquidação.
Tem uma previsão? Porque a demanda para semicondutores é imediata.
Isso poderia acontecer a partir do momento que der continuidade ao processo de liquidação, porque no momento estamos parados por uma determinação do Tribunal de Contas da União (TCU) que determinou que suspendesse o processo até que o Ministério da Economia prestasse algumas outras informações. Sentiram necessidade de mais informações. Isso foi uma votação no plenário de sete ministros, de 4 x 3, para interrupção do processo.
A partir do momento que o TCU permita a retomada do processo de liquidação, pelo cronograma de vocês, quando que poderia passar para outra empresa assumir e até dar início a uma produção?
Nós temos todo um processo a seguir. Existem leis rígidas para um processo de liquidação. Tem um decreto 9589 que regulamenta toda a liquidação. O liquidante tem competência de vender ativo da empresa, e isso tem que ser feito através de um leilão. Agora, tem alguns detalhes que precisam ser adequados. Ou seja, no momento, estamos situados em um terreno que pertence à prefeitura. Existe até uma controvérsia de que uma empresa teria feito uma doação, que se a Ceitec fosse vendida, isso seria revertido. Isso está em discussão a nível judicial, não me compete fazer comentários a respeito, mas no momento está sendo feita uma tratativa junto à prefeitura da possibilidade da doação efetiva e definitiva para a Ceitec ter a propriedade do terreno, do complexo fabril e colocarmos em leilão. Existem empresas privadas que estão interessadas na aquisição disso, haja vista a deficiência mundial da fabricação de semicondutores.
Ouça as entrevistas para o Gaúcha Atualidade, da Rádio Gaúcha:
Com Silvio Luis Santos Júnior, presidente da ACCEITEC:
Com Abílio Eustáquio de Andrade Neto, liquidante da Ceitec:
Coluna Giane Guerra (giane.guerra@rdgaucha.com.br)
Colaborou Daniel Giussani (daniel.giussani@zerohora.com.br)
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