Depois de 40 dias, a Latam Brasil se uniu às demais operações internacionais da companhia aérea no pedido de recuperação judicial nos Estados Unidos. Respondendo por metade da empresa criada no início da década pela fusão de TAM e LAN Chile, a unidade brasileira estava esperando o andar de uma negociação de crédito com o BNDES, que não avançou. Então, decidiu seguir as outras afiliadas. O setor aéreo, nem precisaríamos repetir, é um dos mais afetados pela pandemia do coronavírus.
Com isso, é a primeira empresa brasileira a recorrer ao Capítulo 11, mais conhecido em inglês por Chapter 11, da lei dos Estados Unidos. Assim como aqui no Brasil, a recuperação judicial de lá também busca dar um tempo para as empresas reorganizarem as finanças, buscarem a volta da operação normal e continuar existindo. Assim, evitando a quebra. Há uma proteção da empresa em relação aos credores. Aqui e lá, cobranças são suspensas quando a Justiça dá o "OK" para o pedido de recuperação judicial ajuizado por empresas. Além disso, serviços essenciais para a operação, como energia elétrica, não podem ser cortados. Os credores brasileiros, no entanto, terão que aderir ao processo norte-americano, deixando de executar as dívidas no Brasil.
Com 160 aviões, a Latam Brasil têm uma dívida de R$ 7 bilhões, com destaque para bancos. Considerando passagens pagas e não voadas, sobe para R$ 13 bilhões. O endividamento total do grupo é de US$ 10 bilhões, conta que salta para US$ 17,9 bilhões se incluirmos as provisões futuras.
Mas por que a Latam entrou com pedido de recuperação judicial nos Estados Unidos? A lei norte-americana é conhecida no meio empresarial por ser mais favorável às empresas, flexibilizando negociações com credores, de fornecedores a trabalhadores e consumidores. Em especial, para companhias aéreas. No caso da subsidiária brasileira, ela apenas seguiu as demais da holding da maior companhia aérea da América Latina. Além disso, há um histórico de maior sucesso em recuperações judiciais nos Estados Unidos, o que significa que as empresas conseguem se reestruturar e não vão à falência. Aqui no Brasil, esse é um problema, muitas vezes atribuído ao fato de empresas recorrerem tarde demais ao mecanismo, quando já estão com o pé na falência.
- Acredito que o histórico das recuperações judiciais de companhias aéreas no Brasil tenha impactado na decisão, pois a maior parte dos processos resultou em falência aqui. A Avianca, por exemplo, entrou com pedido de falência nesta semana - lembra o advogado especialista no assunto Augusto Von Saltiél, do escritório Von Saltiél Administração Judicial.
Em uma recuperação judicial, a empresa renegocia suas dívidas, busca novos créditos, repensa o negócio e reduz custos, o que, infelizmente, costuma incluir muitas demissões. Mas com o objetivo de manter, ao menos, parte dos empregos. A Latam projeta mil demissões no Brasil. Enquanto isso, a ideia é que continue operando, o que ocorrerá com a Latam Brasil, mesmo que com uma oferta menor de voos, como todo o setor. A companhia terá 120 dias para apresentar o plano de recuperação para a Justiça norte-americana. A estimativa é de que o processo todo dure 12 meses e a torcida é que o coronavírus seja vencido até lá.
Por isso, o pedido de recuperação judicial da Latam Brasil em si não deve interferir nas passagens aéreas vendidas e à venda aqui, além dos reembolsos e benefícios de programas para clientes. É, por exemplo, o que se verifica nas demais filiais que já estão em recuperação judicial desde maio. Elas seguem voando. Aliás, a empresa chega a garantir que "continuará a voar sem nenhum impacto nas suas operações de passageiros, cargas, reservas, vouchers ou pontos".
Agora, caso não consiga se reestruturar e venha a quebrar no futuro, aí o processo é mais complicado. Há todo um trâmite de levantamento de bens para pagar credores. E os consumidores não são prioridade, lamenta Sophia Martini Vial, ex-diretora do Procon Porto Alegre e que atualmente atua na área de direitos do consumidor no Senado, em Brasília.
Colunista Giane Guerra (giane.guerra@rdgaucha.com.br)
Colaborou Daniel Giussani (daniel.giussani@zerohora.com.br)
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