Tivemos no país o segundo mês de deflação em maio. Aqui na região metropolitana de Porto Alegre, no entanto, já foi o terceiro mês. Para paradoxal para uma consumidora achar que queda de preços é algo ruim, mas eu tenho calafrios olhando aquele sinal de menos na frente do número do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que é a inflação oficial do país.
Primeiro e óbvio, porque essa deflação está acontecendo por causa da crise. As pessoas compraram menos no isolamento e só retomarão o patamar de consumo pré-pandemia quando se sentirem seguras, ou seja, quando o coronavírus der sinais claros de controle. Estamos longe disso. E, ainda assim, quando elas voltarem a querer comprar, muitas não poderão fazê-lo, porque a renda foi corroída na crise e várias também estarão lidando com a inadimplência. Menos demanda, preços não sobem. Demanda despencando, preços caem. Menos impostos, menos lucro, menos emprego, menos renda, menos consumo ainda fechando o ciclo.
Segundo, também penso em quem está precisando baixar os preços. Em alguns casos, claro, há uma ajuste na margem de lucro que beneficia o consumidor, que está com o orçamento apertado, sem afetar duramente o fornecedor. Mas e quem gastou R$ 90 para produzir, pensando em vender por R$ 100 (ou mais) e está tendo que vender a R$ 80 para desovar estoque e entrar algum dinheiro no caixa. Alguém sangra nesse processo, lógico. E já penso que é a ponta mais fraca.
Em terceiro, lembro que a deflação é uma média geral dos preços, considerando pesos diferentes no orçamento da família brasileira média, considerando ricos e pobres. A gasolina, por exemplo, pesa muito e a queda de preços que registrava até maio era o que mais puxava o IPCA para baixo. Os preços dos alimentos, por exemplo, seguem subindo. Isso sinaliza que a baixa renda não está curtindo tanto esse alívio nos preços. Ela come menos do que os mais abastados? Não é isso. Mas o dinheiro gasto com comida representa mais na renda dos vulneráveis, porque "come" mais do salário. Aí, tem um outro ponto, muitas vezes a remuneração do trabalhador é reajustada pela inflação - ou nem isso -, mas o orçamento dela é apertado por uma inflação maior. Mais um ponto dessa pandemia a acelerar as nossas desigualdades do país.
Apesar de todos esses pesares, ainda considero um alívio os preços não estarem subindo. Toda essa crise - extremamente agravada pela imprevisibilidade - ficaria ainda pior com inflação. Ou seja, olho agora na gasolina, que está subindo, e tem impactos diretos e em cascata na inflação.
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Colunista Giane Guerra (giane.guerra@rdgaucha.com.br)
Colaborou Daniel Giussani (daniel.giussani@zerohora.com.br)
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