O suplício maior em Auschwitz e demais campos de extermínio nazistas não era a morte, mas a angústia da espera. Os civis prisioneiros sabiam que iriam às câmaras de gás ou ao fuzilamento, mas não o dia ou a hora. Assim, morriam por antecipação a cada minuto, na ansiosa dor sem fim de aguardar o assassinato.
A cena atual é diferente, mas a tragédia é a mesma em Barão de Cocais ( MG). Os 35 mil habitantes esperam o momento de fugir da morte, pois a lama dos resíduos da mina soterrará casa por casa, como em Brumadinho.
Tal qual em Auschwitz, é o terror. Crianças e adultos estão à disposição da morte, dia e noite.
A única diferença é que, no Brasil, os carrascos não são nazistas fanatizados pelo ódio racial e ideológico, mas o desdém e a cobiça. A visão de lucro domina tudo e esconde o horror. E o único a fazer é indicar "rotas de fuga" à população...
Não será isto cinismo mórbido? Sabiam das consequências funestas, mas foram adiante, pois o lucro é imen$o e tudo é ainda mais cínico.
Há dias, os 458 habitantes do povoado ao sopé da mina abandonaram tudo, dos móveis ao gado. O tétrico é que ninguém assume responsabilidades. A mineradora alega que os "papéis estão em dia", como se a vida estivesse num alvará. A fiscalização governamental se cala, dominada por inércia e propina.
O ministro de Minas e Energia deu o arremate na mesquinhez geral. Disse que tudo "é um acidente", ignorando que o crime se armou aos poucos na mina desativada em 2016.
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Tudo isto me remete, de novo, ao que pode ocorrer em nossa região metropolitana com a pretendida mina de carvão a céu aberto, entre Eldorado e Charqueadas, à beira do Jacuí, a 10 quilômetros em linha reta da Capital.
Dias atrás, num debate (com representantes da mineradora) na Escola de Engenharia, o geólogo e professor da UFRGS Rualdo Menegat alertou para os perigosos riscos que "a mina provocará em nosso maior bem ecológico, o Delta do Jacuí".
O carvão – explicou – "é um lixão químico com 59 elementos", em que o enxofre se oxida na superfície ao reagir com oxigênio e água, o que não falta nos 4 mil hectares da pretendida mina. A água do Jacuí (e, assim, do Guaíba) pode sofrer uma drenagem ácida. Completando o horror, a mina afetaria também dois aquíferos na região.
Idealizador do Atlas Ambiental de Porto Alegre, Menegat é uma referência internacional em geologia, respeitado no mundo inteiro. Ouvi-lo é evitar a agonia da espera, durante e após os 23 anos de vida útil da mina.