Olhar de longe, às vezes, aproxima mais do que estar perto. É como se a visão se aprofundasse, penetrando em si mesma. Em Berlim, de onde escrevo agora, o dia a dia do Brasil e do Rio Grande reaparece em tudo o que vejo e descubro no passado e presente da Alemanha.
Por exemplo: a prisão de Júnior Perneta, o chefe da gangue gaúcha do narcotráfico é grande feito policial, mas insuficiente para ir ao cerne do crime. É como (na Alemanha) culpar só o chefe da guarda dos campos nazistas de extermínio pelo assassinato de milhões de judeus e opositores a Hitler. Ou, no Brasil, alguém crê em sã consciência que o semialfabetizado Júnior Perneta é, de fato, o chefão desse novo genocídio do século 21, disfarçado na ilusão brutal de prazer da droga?
Os chefões do narcotráfico continuam inatingíveis e impunes. Não vivem em malocas da periferia urbana, mas em mansões, acobertados pela política ou por grandes empreendimentos para “lavagem” de dinheiro.
Falta no Brasil um Tribunal de Nuremberg para julgar os grandes criminosos da nova guerra do novo século. Antes, falta uma ação conjunta das “tropas aliadas” (polícias, tribunais, igrejas, meios de comunicação e a sociedade inteira), tal qual em 1945 os exércitos da Rússia Soviética, dos Estados Unidos, da Inglaterra e da França derrotaram Hitler, selando em Berlim a libertação da própria Alemanha.
Vim a Berlim para falar sobre os 50 anos das manifestações do Maio de 1968, que sacudiram a Europa e o mundo (e nele o Brasil), pensando encontrar vestígios da II Guerra Mundial. Quase nada, porém, nos leva àqueles anos.
Ninguém sabe sequer o lugar do bunker em que Hitler se suicidou quando os russos entraram à cidade. Os vestígios sumiram para evitar eventual culto ao terror. Os fanáticos do horror (ao estilo dos Bolsonaros no Brasil) se ocultam sempre e, assim, os sucessivos governos alemães, conservadores ou socialistas, descobriram que mais vale ignorá-los do que combatê-los.
Hoje, Berlim nada guarda da velha rudeza alemã. Os jovens são afáveis, dão minuciosas informações na rua e sorriem quando lhes digo “Ich komme aus Bräsilien” – “eu venho do Brasil” –, para não ser confundido com milhares de turistas alemães ou estrangeiros.
A capital da Alemanha reunificada é, hoje, capital cultural da Europa.
O Pergamon Museum, por exemplo, preserva as antigas Babilônia, Grécia e Roma como se estivessem vivas há mais de 3 mil anos. E o passado ilumina o presente.