O ato de escrever nunca é neutro. Expressa a necessidade de marcar uma verdade interior, como se (em vez da impressão digital) nos identificássemos escrevendo o que pensamos ou agimos. É nossa alma que fala. Até nas vulgaridades que abarrotam a imprensa e a literatura, ou nas mentiras nas "redes", nada é neutro. Ali, tudo se faz como medíocre marca da maldade.
Raras vezes, porém, poucas palavras retratam situações como num longo ensaio. Em carta sobre meu artigo da semana passada, o poeta Armindo Trevisan, com a visão de teólogo e historiador das artes que também é, definiu o momento atual:
"... Uma época em que parece que todos os mentirosos, todos os hipócritas, todos os pseudopolíticos do país saíram de seus sepulcros, e se espalharam Brasil afora, ... uma época em que nunca se viu no país uma quantidade tão volumosa e qualitativamente nojenta de rancor e estupidez, tanto por parte da esquerda como da direita...", escreveu-me Trevisan, ao se solidarizar com meu comentário sobre a condenação do ex-presidente Lula.
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No livro A dança do sozinho, sobre estética e literatura, Trevisan propõe "valorizar a sensibilidade concreta", começando "por sentir algo, até aprender a sentir com sutileza". Assim, chegamos "a uma espécie de dieta mental e sensorial de purificação".
Eis o que falta impor ao exercício da política e da vida social _ uma dieta sensorial de purificação. A começar pelos meios de comunicação e o tum-tum-tum grotesco apelidado de "música". Na TV, vulgaridade e violência dominam a programação normal, além da publicidade. Os programas pseudamente religiosos são escandalosa busca de dinheiro.
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Lembram-se de que festejamos a promessa de Temer de construir dois presídios federais no Estado?
Agora, a Polícia Federal pede a quebra dos sigilos bancário, fiscal e telefônico do presidente Temer, para investigá-lo sobre favores bilionários a empresas portuárias. E, em meio à corrupção dos governantes, o narcotráfico cresce, os crimes horrendos se multiplicam. Aqui e no país inteiro, porém, a "solução" é construir mais presídios...
Lembram-se de que festejamos a promessa de Temer de construir dois presídios federais no Estado? Aplaudimos albergar criminosos, sem buscar as causas do crime.
Em Brasília, na cerimônia de abertura do Ano Judicial, a presidente do Supremo Tribunal e a procurador-geral discursaram fustigando a corrupção. Temer e os presidentes do Senado e da Câmara (réus da Justiça) não se animaram a falar, como de praxe.
Guardaram os discursos em silêncio sepulcral.