Quando o planeta estava ainda em formação, vendaval e trevas se alternavam na escuridão do caos. Hoje, após bilhões de anos, o governo desta República age contra a luz. Voltamos à escuridão glorificando a visão do trabalho escravo.
Invente-se qualquer termo. É moda dizer "flexibilizar" a absurdos e retrocessos. Agora flexibilizaram o trabalho escravo.
Pior ainda: tudo através de uma simples "portaria", aquelas ordens que os reis medievais colocavam à porta do palácio para os servos cumprirem à risca, baixando a cabeça. Mas o brutal vai além. O ato governamental é um escambo, grotesca troca de favores. O presidente Temer quer arrancar os votos da "bancada ruralista" para que a Câmara dos Deputados impeça que o Supremo Tribunal o investigue como "chefe de organização criminosa", tal qual o denuncia a Procuradoria-Geral da República.
Invente-se qualquer termo. É moda dizer "flexibilizar" a absurdos e retrocessos. Agora flexibilizaram o trabalho escravo.
Amplo e plural, já não distinguirá cor: abarcará brancos, negros e pardos, colorados e tricolores.
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São Josemaría Escrivá, que viveu a modernidade do século 20, via o trabalho como forma de santificação. A piedosa glória de ser "santo" _ pregava ele _ não se restringia a orar e só era efetiva "no trabalho do dia a dia, em servir ao bem".
Agora, reles portaria faz do trabalho uma extravagância. Qualquer um poderá ser submetido a jornadas sem fim, além até das 24 horas de duração do dia, sob qualquer condição. Só será crime se for "privado de liberdade", metido numa jaula como bicho do mato. Personalidades de diversas áreas (não só trabalhadores) criticam a medida. O ex-presidente Fernando Henrique a chamou de "desastroso retrocesso inaceitável", mas houve quem ironizasse.
Conhecido pelas posições bizarras, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal, citou a si próprio, que corre "do STF ao Tribunal Eleitoral" em "trabalho exaustivo mas não escravo"...
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Houve até abertos aplausos. O ministro da Agricultura, Blairo Maggi, diz que as regras que definiam o trabalho escravo "são ideológicas" e que a nova medida "traz segurança jurídica".
Mas, "segurança jurídica" a quem? Ao escravocrata? Ou ao escravizado? Se o ser humano for visto como mercadoria, trabalhar será assunto do Procon, como geladeira, telefonia celular ou televisor...
Trágico é que o escambo gere tudo. Para assegurar-se maioria de votos na Câmara e impedir que o STF o investigue, Temer cede ao pequeno grupo que expressa o atraso e, arvorando-se representante dos ruralistas, busca voltar às trevas.
Isto é mais brutal do que o vendaval que nos assolou agora.