* Jornalista e escritor
A flauta de Plauto Cruz silenciou. É duro perder alguém como ele e sua música nestes tempos em que a pompa superficial se sobrepõe ao sensível e profundo. Na flauta de Plauto, tudo era mais musical e ele – admirado no Exterior – tocava em bares simples de Porto Alegre sem pensar em fama ou recompensa. Bastava-lhe a ternura da flauta.
Penso nele neste vazio que inunda boa parte das artes, das ciências e o dia a dia. Amparado em políticas de Estado dirigidas por vaidosos, que só agem por cobiça (e ignoram a realidade), esse vazio esvaziou-se ainda mais com a decisão da Câmara dos Deputados de impedir que o presidente da República, suspeito de corrupção, seja investigado pelo Supremo Tribunal.
Pode um parlamento transformar-se em obstrutor da Justiça?
E logo agora, quando – a partir da Lava-Jato – perdemos o medo e já não somos coniventes com o crime? Por que voltar à alienação em que (recém saídos do medo pânico da ditadura) se engavetavam denúncias ou só em sussurros se falava da corrupção?
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Agora, quando a autonomia do procurador-geral da República e sua equipe de jovens procuradores garante e protege a sociedade inteira, pode o Parlamento cortar nosso direito de conhecer a verdade-verdadeira, como se corta uma incômoda macega espinhenta no jardim?
Nosso Parlamento, porém, não é casa de debates. É um dique ou represa, maior do que Itaipu, em que basta abrir as comportas para encher rios e inundar territórios. E o presidente Temer abriu as comportas, como se a República fosse propriedade pessoal, tal qual agia Lula da Silva nos idos do "mensalão", logo na Petrobras e outros penduricalhos.
Dois ministros de estrita confiança, Eliseu Padilha e Moreira Franco (do PMDB e réus na Lava-Jato), comandaram a abertura das águas, mostrando quanto vale saber abrir torneiras.
Na Câmara, os deputados cantavam o voto por variadas razões. "Pela estabilidade", se a favor da obstrução de Justiça. No polo oposto, "contra a nova lei trabalhista" ou "nova lei previdenciária" ou pelo "fora Temer". Votavam por temas fora do jogo. Só uns poucos (do PSOL e Rede ou os 21 dissidentes do PSDB) votavam pelo respeito à ética do cargo presidencial.
Após o "show", o artista principal foi ao palco do Palácio e, pela TV, repetiu o lugar-comum de que a decisão "é conquista do Estado democrático de direito" e "mostra a força das instituições". Não tocou na denúncia por corrupção, núcleo de tudo. Nem na força da ética e da moral.
Só tocou flauta. Mas a outra, a da gabolice.
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