* Jornalista e escritor
A soma de horrores que se atropelam entre si na Operação Lava-Jato, mostra o mais tosco e rude subterrâneo do crime: o assalto em grande escala, perpetrado pela união de políticos, altos funcionários e grandes empresários.
Ali, não há sofisticação. O poder da sociedade secreta armada para o crime está em ocultar tudo. O secretismo é a única regra, como nos gangsters de Chicago dos anos 1930. A diferença é que, lá, no vasto poder oculto do crime, o delator sabia de antemão que seria morto, em vingança.
Aqui, o delator acaba festejado, livre e rico. É ele quem abre caminho às entranhas do crime, como um bisturi leva ao tumor. Sem ele, o Ministério Público não teria chegado tão rápido aonde chegou, resgatando milhões de dólares e indo ao ventre do crime. Mas o delator é repugnante sempre: é traidor duplo. Trai a lei, depois, a própria traição!
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Na inquirição do ex-presidente Lula da Silva pelo juiz Sérgio Moro, dias atrás, só depuseram os delatores. A velha amnésia, diagnosticada no mensalão em 2005, despontou outra vez com os mesmos "não sei" e "não me lembro". E, tanto ele como nós, que o seguíamos pela TV, tivemos de nos conformar com a versão do diretor da empreiteira OAS. Lula só se lembrou que dona Marisa é que sabia do apartamento na praia, mesmo "não gostando de praia".
O triplex de Guarujá ficará na História tal qual a batalha de Itararé na Revolução de 1930, famosa porque não ocorreu. Mas se tivesse ocorrido, meu Deus…
Na vastidão dos subornos pagos com dinheiro roubado à Petrobras, o triplex é ínfima gota d'água no oceano, mas funciona como detonante do pavio que pode estourar a mina e levar ao tesouro maior.
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Tive pena de Lula, porém, ao vê-lo traído hoje pelos íntimos de ontem. Ao ouvir o juiz citar os antigos diretores da Petrobras (agora delatores e em liberdade) que devolveram centenas de milhões de dólares roubados, não moveu os lábios nem se espantou. Terá sorrido em segredo, pensando noutras contas ocultas sob nomes alheios, algures ou alhures?
Inteligente e sagaz, Lula não pôde esconder, porém, o palavreado vulgar. "Terá que perguntar a dona Marisa", respondeu ao ser indagado sobre o imóvel na praia numa ironia à esposa já falecida.
Era assim, com ironias e palavrões, que nos anos da ditadura direitista ele eletrizava os trabalhadores do ABC paulista, por um lado, e, por outro, informava à polícia política sobre "os subversivos comunistas" nos sindicatos.
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A simulação não é só dele, mas quase geral em nossos políticos. Boa parte dos "grandes nomes" do PMDB (entre eles ministros e parlamentares íntimos do presidente Temer), por exemplo, aparecem apontados em roubos de milhões na Lava-Jato, mas continuam mandando. Idem no PSDB (mesmo em escala menor) ou no PT, PP, DEM, PTB, PDT, PR e outros partidos.
Até hoje, Maluf, do PP, diz que lhe depositaram US$ 300 milhões no estrangeiro "só para sujá-lo"… E Collor, suspeito numa negociata de R$ 500 milhões na Petrobras, não está nem aí…
Agora, as delações de João Santana e Mônica Moura (os "marqueteiros" transformados em ideólogos do PT) varrem o horizonte como um furacão. Contam da corrupta "Caixa 2" e quase ninguém fica de pé. Nem Dilma!
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Do crime encoberto, passamos ao crime a céu aberto.
Na última terça-feira, Zero Hora mostrou como a perversão, a mentira e a mesquinhez podem tentar apropriar-se da medicina e transformar a cura médica num delito. Transcreveu uma "aula" num curso de preparação de "propagandistas de medicamentos" em Porto Alegre, e apareceu o tom alucinado de um "professor" ensinando os alunos a serem perversos, mentirosos, capazes de assediar mulheres (se forem homens) ou de se prostituírem (se mulheres) para impingir determinado produto ao receituário clínico.
Com 20 anos de experiência, o diretor da Propamed chama-se Alexandre Guzinski. Escrevo o nome por extenso em homenagem à coragem de pregar em público o cultivo da mentira e a prática da mesquinhez e da hipocrisia, que a politicalha faz em segredo.
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