O mundo pirou – sim, pirou, do verbo pirar – e as pessoas piraram também. Não digo que o mundo enlouqueceu. Não se trata de loucura. Todas as formas de loucura são patologias da alma que o corpo extravasa nos movimentos, gestos e ações de forma compreensível ou ordenada, acorde a cânones conhecidos. A loucura tem certa ordem, ou simula e aparenta. Tem até cadência (ou toque) que, às vezes, engana e soa a musicalidade.
A "piração" e o pirar, porém, são a forma vulgar e grosseira com que a loucura exterioriza a sua grotesca identidade. Explosiva, são toneladas de TNT de alta potência para arrancar ninho de passarinhos de uma árvore. É um tsunami no seco, com ondas sufocantes que tiram o fôlego e nos fustigam dizendo que extraviamos o caminho e já não temos bússola.
Aqui no Rio Grande (e no Brasil), os responsáveis pelo poder público piraram de vez. Ou "viajam" há muito, mas só agora percebemos.
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O bizarro é que esses responsáveis pelo poder público são nossos representantes, ou se apresentam como tal. Agem e tomam decisões em nome do Estado como se dele tivessem a propriedade extensa e ilimitada, mesmo temporária. Ou como se o Estado houvesse sido arrematado por um grupo determinado do qual fazem parte.
Mais estranho ainda (e por isto penso em "piração") é que a principal ação que desenvolvem à frente do Estado é desfazer-se do que seja do Estado. Se algum setor governamental for produtivo ou destinado a gerar ou gerir produção, talvez Sartori não precise sequer colocar os óculos para ali enxergar algo vendável, para "fazer caixa".
Hoje, no Rio Grande, governar é "fazer caixa"… Alimentar as burras estatais com o que der – impostos, taxas, penduricalhos e, como coroa do rei, desfazer-se do patrimônio ainda existente que a pasmaceira dos governos anteriores não se animou a vender.
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Ao dizer "patrimônio", vou além do físico. Não me refiro só aos bens materiais de empresas como a CEEE e outras, mas ao insubstituível patrimônio técnico acumulado há mais de meio século.
A Companhia Estadual de Energia Elétrica é estratégica e fundamental. Comércio, indústria, agricultura e pecuária servem-se da eletricidade, num arco infinito que chega à escola, à pesquisa, ao lazer e ao lar.
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Até anos atrás, a CEEE foi modelo de gestão. Depois, foi desmantelada intramuros. Quando concederam parte da distribuição a empresas estrangeiras (que nunca investiram aqui nas épocas difíceis), a CEEE já fora vítima do maior roubo da História gaúcha. Em 1986-87, um conluio entre grandes grupos privados e altos diretores da companhia fraudou mais de R$ 850 milhões, em valores atuais, durante o governo Pedro Simon, do PMDB.
Na forma de agir e na montagem do assalto, tudo se fez nos moldes do roubo à Petrobras, só que 27 anos antes…
Faltou-nos, porém, um procurador-geral como Janot e um juiz como Sergio Moro, ou que aqui houvesse alguém com 10% do destemor de ambos frente ao crime. E teríamos até "delator premiado"…
O processo nunca teve sentença. Segue "em segredo de Justiça", à espera de prescrição. Ninguém em nenhuma área de governo jamais se interessou em "apressar" algo que dura 20 anos, para levar a julgamento e, logo, fazer a CEEE ressarcir-se do roubo milionário.
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Ao superar, assim, a emergência atual, Sartori entenderia que governar não é cuidar dos inúteis burocratas que carimbam papéis. É manter e ampliar a infraestrutura referente a água, energia, gás e outras riquezas, como mineração, mais educação e segurança. E entenderia que não se desperdiçam rios e lagos como os nossos, nem os portos que abandonamos por ignorância e incúria.
Saberia, então, que governar não é "fazer caixa". E que "há caixa" quando não houver atividades parasitárias, inúteis ou difusas.
Se não for assim, resta dizer como diz o povo: pirou geral…
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