A festa dos 245 anos de Porto Alegre e os 90 dias do novo prefeito me levam a indagar sobre o significado do presente no futuro da cidade. Assim, amenizo a dor de escrever sobre a perversão da política associada à sanha de cobiça de irresponsáveis empresários. A "Lava-Jato" e a "Carne Fraca" já dizem tudo!
Ausente da Capital, não compareci à reunião-almoço da Associação dos Dirigentes Cristãos de Empresas, dias atrás, quando o prefeito Nelson Marchezan falou sobre a cidade. Vis à vis, pretendia levar-lhe observações de quem aqui veio morar em 1950, quando o porto era ainda ativo numa alegre cidade sem medo da rua.
Ei-las adiante.
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Ia perguntar pela água. Nada se explicou sobre o odor e gosto pestilentos que, dois anos atrás, infestaram a água que seria potável, e que volta de tempo em tempo. Por que o silêncio?
Onde está "a mudança" prometida pelo candidato e que lhe deu a vitória. Ou era apenas mudar-se de Brasília a Porto Alegre?
Estamos cansados de medíocres e tacanhos, bem intencionados mas sem voos. Queixam-se da "falta de verbas", sem entender que criatividade substitui a dinheirama. Em três meses, o prefeito ainda não completou a equipe e governa com membros da gestão Fortunati-Melo, que o candidato chamava de inepta. Ou não havia equipe?
E os planos? Se o candidato prometia "mudanças", devia ter planos! Talvez os guardasse tão bem que os extraviou. Ou os engavetou com tanto zelo que tudo é secreto.
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Sem planos, caminhe pela cidade, prefeito. Comece pela Rua da Praia, que não tem praia mas se alaga em qualquer chuva. Aí – nos trechos intensos de pedestres – terá uma síntese do desamor e desleixo por nosso Alegre Porto. No calçadão, os buracos são crateras no estio e poças na chuva. Na Praça da Alfândega, ambulantes com quinquilharias contrabandeadas ocupam o espaço dos artesãos. Vende-se crack ou maconha e se assalta para roubar a bolsa ou o tênis.
Caminhe e verá o vandalismo dos "pichadores" e o mau-cheiro do lixo dos "contenedores", numa rima de asco.
A limpeza começa em casa. Defronte à prefeitura, contemple a fonte espanhola de azulejos, abandonada e suja pelas pombas que infestam o centro. Levante a vista e veja o reboco a cair da própria prefeitura.
Olhe o Mercado Público. O prefeito Fortunati telefonava toda semana à Suíça para "prestar contas" à Fifa das obras da Copa, sem tempo de olhar o outro lado da rua e ver que o piso superior do Mercado continua tal qual após o incêndio de 2013… E mais: hoje chove como na rua!
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Vá à Praça da Matriz. "Moradores de rua" vendem droga e lá dormem, tal qual centenas pelo Centro, Bonfim e Menino Deus. De manhã, jatos d'água do DMAE limpam urina e fezes dos moradores noturnos dos degraus da catedral.
Aos sábados, na bela feira ecológica da Rua José Bonifácio, saiba que os agricultores chegam de longe, às 5 da manhã, sem dispor de serviço sanitário que, além de distante, abre só horas depois.
O Moinhos de Vento segue charmoso. Mas, na 24 de Outubro, defronte ao Instituto Goethe, a prefeitura entregou a larga calçada a uma empresa que cobra R$ 24 por hora para carro estacionar atravancando o espaço público.
Nas avenidas, os "azuizinhos" (sem orientar o trânsito nem guinchar os poluidores) se escondem para multar motoristas em alta velocidade. Brigadianos e guardas municipais estão mais atentos aos jogos do celular do que à rua. Já que a Brigada é de outra área, faça o Sartori abrir aqueles intermináveis inquéritos para saber de quem é o telefone…
Há muito mais a sugerir aos olhos do prefeito. Mas se a população for educada em corretos hábitos de convivência e alimentação, os hospitais (em vez de "depósitos" de doentes) serão núcleos de saúde.
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P.S. - Neste sábado, 1º de abril, às 20h30min, o Canal 40 da Globo News exibe "O dia que durou 21 anos", filme de Camilo Tavares sobre a origem do golpe de 1964, no qual realizei as entrevistas. O documentário recebeu o prêmio de Melhor Filme Estrangeiro no Festival de Saint Troppez, na França, em 2014.
Antes, às 18h30min, o Clube de Cultura (Ramiro Barcelos 1853) exibe o filme, seguido de um debate de que participo.
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