A origem de qualquer crime é sempre a ignorância. A maldade vem depois, como filha dileta nascida daquele não saber, não ver ou não entender que a beleza da vida presente está em preparar o futuro.
Ou, por acaso, não é isto que ocorre com a extinção de todos os órgãos de pesquisa científica e tecnológica em que se assentou, até aqui, o desenvolvimento do Rio Grande? O ato é tão absurdo que é impossível crer que o governador Sartori (com a maioria dos deputados) o tenha praticado por maldade ou sanha, só pelo prazer sádico de nos fazer retroceder. De cambulhada, extinguiu também a Superintendência de Portos e Hidrovias, como se fôssemos um deserto sem lagos ou rios, a TV Educativa e a Rádio Cultura.
A agressão ao bom senso vai adiante: o governador se põe na condição de proprietário dos bens do Estado e quer vender, ou leiloar, as estratégicas CEEE (já mutilada e retalhada anos atrás) e Sulgás.
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Esta visão de exterminar praticamente tudo o que (para assegurar o futuro) o Rio Grande construiu em um século é tão dilacerante que só pode ser fruto de uma visão caolha (ou cega) de Sartori e seu círculo íntimo. É difícil somar tantos erros de uma só vez por sadismo e maldade.
A miopia dominante ignorou que as fundações de Ciência e Tecnologia, de Pesquisa Agropecuária ou de Saúde, foram fundamentais na implantação da refinaria e do polo petroquímico, no desenvolvimento do arroz parbolizado, em aprimorar técnicas agrícolas e genéticas, ou produzir remédios e informação toxicológica. A cega politicalha ignorou que a Fundação de Economia e Estatística orienta a vida produtiva gaúcha ou que a Fundação Zoobotânica pesquisa a área ambiental e administra o Jardim Botânico.
Terrível, porém, é que isto ocorra em pleno século 21, em que a tecnologia domina o cotidiano em busca do novo.
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Nos Estados Unidos, na Europa, no Japão ou na China, pesquisar é prioridade até durante as crises.
O governo Sartori, porém, trata a pesquisa como se fosse a infestação da dengue ou do zika vírus, a extirpar com urgência. O governador considerou "não essenciais" as atividades das fundações científicas. Acertou ao incorporar o Instituto de Tradição e Folclore à administração, mas cometeu um crime histórico-institucional nas demais extinções.
Tudo "para economizar". Já conseguiu em um ponto: a Agência Gaúcha de Desenvolvimento e Promoção do Investimento (AGDI) vai se chamar Escritório de Desenvolvimento de Projetos (EDP), economizando 16 letras na denominação e uma na sigla..
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A extinção da Superintendência de Portos e Hidrovias é velho sonho dos "lobbies" rodoviários. Aqueles imensos caminhões de oito ou 12 eixos que abrem crateras na estrada e asseguram serviço permanente às empreiteiras de obras transportam seis vezes menos que um barco de pequeno calado. Há anos, porém, desativaram o porto da Capital e restou só o precário cais de Navegantes, de baixo calado. E abandonamos a Lagoa dos Patos e nossos rios.
Se quiséssemos construir o futuro, os órgãos de pesquisa, as hidrovias e seus portos deveriam ser ampliados, não extintos.
Agora, burocratas carimbadores de papéis vão avaliar as necessidades do Rio Grande, em vez de técnicos e cientistas. Retrocedemos ao século 19, como se Júlio de Castilhos, Borges, Getúlio e Brizola – nossos modernizadores – não tivessem existido.
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Retrocedemos não só nisto. Os deputados aprovaram tudo nas madrugadas, enquanto a cidade dormia, protegidos por cavalos e soldados da Brigada com capacetes cobrindo a cara e lançando gases de estrondo em quem se aproximasse da Casa do Povo. Os refletores dos helicópteros iluminavam a noite, numa fúria jamais usada contra narcotraficantes e bandidos.
Lá dentro, na Casa do Povo, os governistas prometiam salvar o Estado com os R$ 140 milhões das vendas de bens públicos. Ninguém, nem a oposição, lembrou que no governo Pedro Simon (do PMDB e no qual Sartori foi secretário do Trabalho) roubaram da CEEE mais de R$ 850 milhões em valores atuais e que, até hoje, o processo não foi julgado.
Esse crime será nosso presente de Natal?
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