A barafunda partidária vigente entre nós vem transformando as campanhas eleitorais num torneio de promessas. Cada candidato se esforça em prometer mais e mais do que o outro, numa busca ansiosa por eleitores, como se voto fosse moeda de troca ou mercadoria em loja ou supermercado. A eleição municipal deste domingo não foge à regra.
Não sei como será nos pequenos municípios, onde o contato pessoal é mais direto e podemos conhecer quem é quem, de fato. Nas capitais e grandes cidades, porém, a simulação domina o cenário. A torrente de promessas é tão caudalosa que se tornou escandalosa. Promete-se tanto e com tanto ímpeto e maestria, que logo se vê que aquilo que o candidato assegura que vai fazer é apenas um jogo de "marketing'', inventado e inteligentemente apresentado por agências de publicidade.
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Quem fala (e promete) não é o candidato, mas o redator de publicidade. O candidato mais parece aqueles bonecos falantes, com que os ventríloquos nos deliciavam quando crianças. Hoje, na era eletrônica, os robôs substituem os ventríloquos, mas até quem não os conheceu pode entender como eram.
E o boneco-robô promete e promete pelo rádio e TV ou em reuniões nos bairros e no contato pessoal.
Em vez de planos e projetos concretos de administração, vemos apenas promessas. Ou só intenções, como se bastasse apresentar uma ideia para que vire realidade no futuro. Ter intenção não vale sequer como ponto de partida. Para tornar-se real, deve ter base concreta e, mais do que tudo, recursos. De onde tirar os bilhões exigidos pelas viciosas promessas?
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Por exemplo: na capital paulista, o município precisaria ter em caixa quase R$ 30 bilhões, em 2017, para custear as promessas dos candidatos a prefeito, irrealizáveis até em tempos de bonança, mais ainda na crise mundial de hoje. O cálculo, feito pelo jornal O Estado de S. Paulo, refere-se às promessas dos 10 dias anteriores à eleição. No vale-tudo da reta final, a soma talvez chegue a R$ 40 bilhões.
Porto Alegre tem área e população bem menor, mas as necessidades se assemelham e a chuva de promessas também cai como tempestade. Até aspirantes a vereador prometem o irrealizável.
O eleitor pode até ser enganado, mas não é tolo. Percebe a simulação e a trapaça, passa a não acreditar no que ouve. Mas o voto é obrigatório e o eleitor tem de se agarrar a alguma coisa para decidir-se.
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Surge, então, a magia: não tendo onde nos agarrar, nos guiamos pelas chamadas "pesquisas de intenção de voto'', como se isto bastasse. As "pesquisas'' (até as honestas) não nos indicam o mais qualificado, o mais coerente, o que nunca mentiu. Nem apontam comportamentos: não medem os corruptos nem os corruptores.
Pesquisa aponta apenas números, quantidades de "intenção'', como se isto substituísse a eleição e antecipasse o resultado final. Como ninguém quer optar pelo perdedor (e já que todos parecem "iguais'' ou "semelhantes''), acabamos votando em quem aparece à frente...
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Na ânsia de serem os primeiros a informar, os meios de difusão chegam a dar, às vezes, a impressão de que só vale a pesquisa – se o resultado não for o previsto, a eleição estaria errada...
Pouca atenção se dá ao passado do candidato, do que pensa e realizou. Não se analisam o programa e os planos de governo e, alguns até, os confundem com as promessas vazias.
A verdadeira estatura dos candidatos quase sempre fica em segundo plano. E este é o desafio do voto, também presente neste domingo.
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P.S. – Com a morte de Shimon Peres desaparece a última grande figura política que o Século 20 deu à humanidade. Chamá-lo apenas de estadista, de um dos fundadores do Estado de Israel ou de mentor da convivência fraterna entre os povos (recebeu o Nobel da Paz junto com o palestino Yasser Arafat e o israelense Isaac Rabin), não dá a dimensão do que foi em 93 anos de vida.
Peres pertenceu àquela geração admirável que implantou a utopia igualitária do 'kibutz' socialista em pleno deserto, sem violência e em liberdade. Sem ele, o mundo fica mais triste.
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