Quem dos dois M será? Seja quem venha a ser e seja qual for a diferença numérica entre um e outro, o futuro prefeito de Porto Alegre será minoritário.
Sim, minoritário, pois a escolha derivada da confiança foi a do primeiro turno: ali, o eleitor votou pela própria consciência, mesmo que a consciência, ou preferência, tenha sido formada pela propaganda e pela musiquinha.
Ali, na opção por vários nomes, mesmo pobres em ideias sobre como administrar, pelo menos havia diferença de posições e de visão de mundo, isto que nos EUA e na Europa chamam de "esquerda" e "direita", e que aqui é azeda geleia de ácidas frutas podres.
O segundo turno é escolha forçosa – só a minoria que sufragou os dois primeiros colocados estará votando nos nomes de sua confiança. A maioria vota por descarte, como se desfolhasse margaridas no velho jogo do "bem me quer, mal me quer".
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Parecerá estranho dizer "minoritário" pois, entre dois, um deles será sempre "majoritário". O cálculo, porém, é aritmético e simples.
Porto Alegre tem pouco mais de 1 milhão de eleitores. Somados, os dois M obtiveram menos de 400 mil votos, ou exatos 399.301 sufrágios – Marchezan teve 213.646 votos, Melo, 185.655. E os outros eleitores?
Após intensa propaganda preparada por empresas de publicidade que nos martelavam na TV e rádio com promessas vãs, a soma dos votos dos dois ficou pouco acima dos outros 382 mil eleitores que se recusaram a escolher candidato – votos brancos, nulos e abstenções – e que chegou a 34,8% do eleitorado.
A não ser o "boca a boca" da frustração, esses 382 mil eleitores não fizeram propaganda nem gastaram um centavo para repudiar a pífia, vazia e demagógica campanha eleitoral. Formaram, porém, o núcleo majoritário da desesperança, que a politicalha dominante teima em não ouvir.
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Mais pérfida que a mediocridade, a violência eclodiu no segundo turno. Primeiro, verbal. Depois, com arroubos estilo máfia.
Escorados em "slogans", ignorando temas concretos (como a degradação urbana ou do indefeso Rio Guaíba) os dois M abriram a porta para que alguns multiplicassem a violência. Ou a inventassem para culpar o adversário.
Os "tiros" nas vitrines do comitê do PSDB de Marchezan foram obra da ventania, não de pistola (comprovou a perícia da Polícia Federal), mas atiçaram ataques mórbidos nas "redes sociais". Alguns deles contribuíram ao suicídio de Plínio Zalewski, assessor do PMDB de Melo. Logo, o ataque físico perpetrado na rua pelo chamado "Movimento Brasil Livre" contra Juliana Brizola, após ameaçar os filhos, de dois e seis anos, da candidata a vice-prefeito. Esse agrupamento de arruaceiros alinhou-se publicamente com Marchezan, sem que se conheça qualquer repúdio a métodos que lembram o embrião das SS de Hitler.
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Não recordo a Alemanha, mas nosso 27 de outubro de 1965, há 51 anos, quando o marechal Castelo Branco impôs o Ato Institucional nº 2 e se fez abertamente ditador. Até então, o golpe de 1964 escondia sua marca congênita, como nascituro sem cordão umbilical.
Além de dar poderes totais ao ditador para cassar mandatos e suspender direitos dos cidadãos, o Ato-2 extinguiu os partidos políticos e a eleição do presidente da República; ampliou o número de ministros do Supremo Tribunal (para lá nomear "gente de confiança"), suspendeu as garantias do funcionalismo e submeteu qualquer cidadão a tribunais militares.
Tudo em nome "da continuidade da revolução democrática"... Eu vivia em Brasília e, nos jornais "Última Hora" do Rio e São Paulo, chamei o Ato 2 de "golpe dentro do golpe". Com tato, disse que criava sorrateira violência e uma herança perigosa – a simulação de democracia.
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Logo, criaram dois partidos. Um do "sim", a governista Aliança Renovadora Nacional (Arena); outro do "sim, senhor", o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), de oposição. O marechal Castelo Branco chamou ao Palácio o senador e general Oscar Passos e "como seu chefe militar" mandou que "entrasse para a oposição". E Passos foi o primeiro presidente do MDB.
Nascia aí a simulação atual da política, capaz de simular até a violência, se isto convier?
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