O dia 20 de setembro está aí, mas deixo de lado o orgulho gauchesco e ouso perguntar: nossas atuais façanhas servem de modelo a toda Terra? Ou nosso hino interpreta só um passado remoto transformado em mediocridade ou, até, em abjeção?
Governados por medíocres que nós próprios elegemos para comandar o país, o Estado ou o município, a demagogia disfarça a inação. De novo, às vésperas de eleição, os candidatos parecem super heróis das histórias em quadrinhos que rompem o aço com um sopro...
E a nova ''grande façanha'' surge, agora, na área judicial como horror perverso. Em plena audiência, o promotor Theodoro Alexandre da Silva Silveira humilhou e acusou uma menina engravidada aos 16 anos pelo próprio pai. Chamou-a de pervertida e se queixou: ''Se tu não fosse menor, eu ia te ferrá e te mandá lá pra Fase pra te estuprarem de novo''. Fase é a sigla da Fundação de Atendimento Socioeducativo, onde (segundo o promotor) se oficializa a perversão infantil!
E tudo isso, vomitado em palavras chãs, ante a omissão da juíza Priscila Gomes Palmeira, como revelou a 7ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça.
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Mas há, também, o contraponto do horror.
Enfim, o símbolo maior da desfaçatez política e da corrupção recebeu o primeiro dos muitos castigos que o aguardam – Eduardo Cunha foi cassado pela própria Câmara dos Deputados que presidiu até bem pouco como ditador. No momento decisivo, o outrora intocável (que abriu caminho ao impeachment de Dilma Rousseff) foi abandonado até pelo presidente Michel Temer, seu sustentáculo mor, pelo PMDB, pelo ''centrão'' e a ''bancada evangélica''.
Ao início, porém, PT, PMDB, PSDB e o ''centrão'' se alinharam com ele. Foi Cunha quem rompeu com o governo (e não o contrário) quando Dilma negou-se a amaciar o procurador geral da República para que a Lava-Jato não investigasse o então presidente da Câmara Federal.
Nesta versão brasileira de David e Golias, os pequenos Psol e Rede (com poucos deputados) derrotaram o gigante envaidecido pelo poder corrompido.
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A façanha das façanhas, porém, estoura agora como raio entre nuvens que já
prenunciavam tempestades.
Os procuradores que desvendam a Lava-Jato apontam o ex-presidente Lula da Silva como ''comandante máximo'' do esquema criminoso montado na Petrobras para garantir ''a governabilidade, a perpetuação no poder e o enriquecimento ilícito''. A denúncia se funda em ilações e, calculada em valores, é algo ínfimo, comparado às centenas de milhões de dólares roubados pelo trio PT-PMDB-PP.
Os R$ 3,7 milhões que a empresa OAS investiu no apartamento tríplex de Lula na praia de Guarujá (SP) soam a centavos, comparados aos US$ 110 milhões – dólares, não reais – que Paulo Roberto Costa (nomeado diretor da Petrobras pelo PP) guardava para si no estrangeiro, após subornar deputados e senadores.
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Num país em que o roubo do que é público já não gera indignação, parece inquisitorial tomar o tríplex para incriminar Lula como ''general'' e ''comandante máximo'' da tropa de assaltantes travestida de governo. Ou o curso do Sesi (do qual Lula se orgulha do seu ''único diploma'') fez dele doutor ''honoris causa'' em várias universidades mundo afora, e agora lhe dá um título militar, a partir do tríplex?
O tríplex, porém, é apenas o rabo do gato pela fresta da porta, é ponto de partida, não de chegada. É a ponta do novelo com que o general-comandante tecia a couraça para atar-se ao poder pelos séculos dos séculos.
A investigação só começa no tríplex. Ao se desdobrar, inundará o arco político-parlamentar de apoio ao ex-presidente. Alagará até a oposição, mais empresas e mais políticos e a façanha servirá de modelo a toda Terra.
Quem viver verá!
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P.S. – Semanas atrás, escrevi que a telenovela Velho Chico era retrato fiel da dominação política dos ''coronéis'', que a realidade esconde ou dissimula. Com Domingos Montagner, o ''Santo'' que desafiava a opressão, o enredo virou premonição: ele morreu afogado no rio onde, na ficção, pensaram que pudesse estar seu cadáver, quando vivia ainda.
A realidade copiou a ficção como desgraça.
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