O Deicídio é a morte de Deus. Ou o suicídio, pois em todas as teologias de todas as culturas, Deus não morre. Só morre o que alguma vez nasceu e Deus não nasceu – existe como início, meio e fim, antes que a eternidade existisse ou que nascença, morte ou passado nos passassem pela cabeça. Pode suicidar-se, porém, pois decide tudo e, ao ser o começo de tudo, pode também colocar fim a tudo, até a si próprio.
Mas, de que adiantam altas teologias, se temos, hoje, outras vias mais urgentes e pungentes?
A adolescente de 16 anos, estuprada no Rio de Janeiro por 15, 20 ou 30 rapagões, mostra a insânia de uma sociedade atormentada por droga e ignorância. Mas quem de nós fez algo para impedir que o horror progrida?
Somos todos coniventes. No máximo, olhamos com desprezo o "crack", mas já nem tanto a "cannabis". E ansiamos por um feriadão longo para ir a Livramento-Rivera e usufruir da maconha liberada no Uruguai. E desconversamos quando alguém critica a cocaína!
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A curra do Rio foi tão perversa que só pode ter sido movida pela droga. A milenar cultura machista foi só a gênese. Numa sociedade em que até a música tornou-se violenta (e ser violento é ser herói) a perversão vê o sexo feminino como objeto a destruir, como aqueles "caçadores desportivos", que se orgulham por matar pássaros ou patinhos selvagens, quanto mais bela a plumagem, "melhor"!
Em vez da beleza profunda do erotismo, surge a perversão abjeta da orgia, que nem prazer é – só violência encoberta pela fantasia machista de que é orgasmo por molhar as cuecas. Submeter alguém será prazer?
A droga foi o motor, mas a causa profunda é a ignorância e deseducação que acossam toda a sociedade. No Rio, o horror foi na favela, mas "moços finos" fazem algo similar em bairros nobres Brasil afora.
Não se educa para o amor ou a compaixão nem para a convivência. Educa-se para a competição que leva à violência e destruição do outro, até de quem está ao nosso lado.
A droga fecha o círculo, como num circuito elétrico que só funciona com os fios ligados.
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O estupro coletivo (ou curra, como se dizia) é antigo. Hoje, é até filmado e se embruteceu. Há anos está na política ou é praticado pela politicalha que domina nossos partidos. Estuprados temos sido todos, em diferentes graus. Às vezes, com a devassidão de dias atrás no Rio e, sempre, com os estupradores (os mesmos ou novos) voltando à cena do crime.
Para não repetir tudo o que todos sabem, fiquemos nos 15 dias iniciais do governo Temer: dois escândalos envolveram dois ministros do PMDB com funções fundamentais, mas o presidente interino tentou mantê-los nos postos. Romero Jucá, do Planejamento, foi flagrado explicando a um de seus "protegidos" na festança da Petrobras, que só seria possível impedir "a sangria" da Lava-Jato se Dilma Rousseff saísse do Poder. Depois, Fabiano Silveira, ministro da Transparência (novo nome da Controladoria Geral), apareceu noutra gravação orientando o presidente do Senado sobre como evitar que os procuradores da Lava-Jato descobrissem de quem recebeu ajuda financeira, ou propina.
Temer quis manter Jucá, depois, o "licenciou". Com Fabiano, foi mais grave. Na noite de domingo, Temer e o próprio ministro assistiram juntos (no Palácio do Jaburu) ao programa Fantástico, da TV, com a gravação das conversas de Fabiano e Renan, presidente do Senado. "Não vejo nada de grave", disse o interino Temer na manhã da segunda-feira, sem saber que os funcionários tinham lavado o ministério com água e iam impedir a entrada de Fabiano a seu gabinete.
Só 10 horas depois, à tarde, Fabiano fez-se transparente e renunciou.
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Temer não conhecia os seus ministros e foi enganado ao nomeá-los? Ou os conhecia e os nomeou por conhecê-los e, assim, os enganados fomos nós, brasileiros?
Será Temer igualzinho a Lula, que não "sabia de nada", nem quem o cercava?
Por tudo isto, creio que muita gente pensa que Deus se suicidou. Não falo do Deus fetichista nem o das orações, mas o Deus dos valores mais altos, do respeito, do não-mentir, que nos ensina a conviver e amar.
Deus é amor, já disse Cristo.