O "impeachment" é só um episódio isolado no contexto geral da política. Resolvida a questão - seja o "não" ou o "sim" - o tema se esgota, mas a vida não se altera. Ficam os mesmos partidos, os mesmos parlamentares e chefetes, muitos envolvidos em escândalos ou denunciados por corrupção, como o presidente da Câmara de Deputados. Ou hábeis demagogos, inertes frente aos problemas da Nação.
Por isto, o que me chama a atenção na pendenga do "sai Dilma" ou "fica Dilma", não é o resultado. O "não" ou o "sim" são apenas números em confronto. O fundamental não é, sequer, definir se as "pedaladas fiscais" (em que ela imitou os presidentes anteriores) são um crime de responsabilidade capaz de anular o resultado da eleição.
O umbigo está mais embaixo e o cordão umbilical é outro.
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O nascedouro do caos é a degradação da política, carcomida pelo atual sistema de partidos formados por gente que se oferece à venda como produto de mercado. Os fatos dos últimos dias mostram a prostituição em curso. Em busca de vantagens, os partidos mudam de parceiro sem pudor. Com o mesmo falso deleite, afagam e se entregam hoje aos adversários de ontem, ou vice-versa. Por que usufruir do poder como aquelas meninas de aluguel que compartem prazeres seja com quem for?
Ou o PMDB e o PP (que "desembarcaram" do governo) não formavam com o PT o trio que mandou no país desde a primeira eleição de Dilma?
Hoje, querem derrubá-la, capitaneados pelo vice-presidente Temer, que participou do governo e do poder e foi, até, coordenador político de Dilma Roussef. E tudo, sob a regência de Eduardo Cunha, presidente da Câmara de Deputados, processado por milionários subornos nas fraudes da Petrobras.
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Desde meu primeiro artigo aqui, em 2004, ataco a corrupção de diferentes governos. Critiquei o hábil e sagaz (mas primário) Lula da Silva quando era visto como "o maior presidente da História". Em 2014, falei da corrupção na Petrobras antes de que a Lava-Jato mostrasse a cumplicidade do trio PT-PMDB-PP com grandes empresas. Num alerta à vulgarização da política, apontei as fraudes do PSDB em São Paulo e do PDT no Ministério do Trabalho.
Quando Dilma e Temer formaram a tal "base aliada" de onze partidos, chamei essa esmola feita com as sobras do banquete de "base alugada". Apesar do governo medíocre, confiei na honestidade pessoal de Dilma pelo seu passado em prol da liberdade, mas perdi a inocência.
Como confiar em mercenários quando a política deve servir à Nação e seu povo?
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Nunca pensei, porém, que a noção de honra e honradez desaparecesse tão a fundo da política, em todos os lados. E que virasse malícia e oportunismo vulgar pelo poder.
A política inoculou a vida? Ou os políticos imitam a vida? Seja qual for a causa, o certo é que política e políticos existem para dar o exemplo à sociedade como seus modelos.
Mas que modelo é Eduardo Cunha, que conduz o "impeachment"? Por que seus adeptos se calam sobre a propina milionária que arrancou da Petrobras, e pela qual é réu no Supremo Tribunal?
Serão modelos os dirigentes do PT, PMDB e PP que entregaram a Petrobras à máfia de assaltantes? Temer já não presidia o PMDB?
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Será modelo a cobiça pelo poder, que relega o diálogo e age egoisticamente?
No Palácio do Jaburu, em Brasília, o vice-presidente montou o QG da derrubada de sua parceira e cabeça-de-chapa na eleição em que ele foi só mudo acompanhante de Dilma. Já se vê no lugar dela. Gravou e divulgou o "discurso de posse", numa exibição infantil tal qual criança que abre o presente bem antes da noite de Natal.
Domingo, o primeiro a votar, entre os gaúchos, será o deputado Afonso Hamm, do PP, denunciado na Lava-Jato e que já antecipou que opta pelo "impeachment", como os outros 22 deputados implicados na fraude.
Na situação deles, nas democracias da Europa Ocidental e dos EUA, todos sairiam da política e da vida pública até provar inocência. Aqui, somos ainda crianças em fraldas, com tudo o que as fraldas têm.
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