Geralmente os jovens não se interessam muito pelas decorrências da velhice porque lhes parecem distantes demais, mas Oliver Sacks nos faz vê-las de forma diferente – e interessante. Em um ensaio do último livro que preparou antes de morrer em 2015, aos 82 anos, Sacks explica como encarava os enganos auditivos que lhe acometiam nos últimos tempos, tratando-os como espécies de atos criativos. Ele não descarta a explicação de Freud segundo a qual os lapsos desse tipo são manifestações do subconsciente, apenas não acredita que essa teoria vale para todas as vezes.
Ler Enganos Auditivos, presente no livro O Rio da Consciência (Companhia das Letras), é tomar contato com uma maneira acima de tudo sábia de viver a velhice. Sacks é um exemplo de como a curiosidade pelo conhecimento pode tornar a existência mais doce. Em vez de ficar frustrado com a quantidade de expressões que passou a ouvir errado, decidiu registrá-las em um caderninho. Anotava em vermelho as palavras que ouvia diferente e em verde, na página ao lado, as que efetivamente foram ditas pelos interlocutores. Já as reações das pessoas e as hipóteses para tentar dar sentido ao engano iam em roxo. “Cada erro de audição é uma criação nova”, escreveu. “O centésimo deles é tão inédito e surpreendente quanto o primeiro.”
Ao ouvir uma expressão estranha, sua primeira reação era tentar dar sentido àquilo. Foi o que ocorreu quando entendeu que uma amiga de longa data iria a um ensaio de coral, embora em trinta anos ela nunca houvesse lhe relatado exercer essa atividade. Pensou que pudesse ser um novo interesse. Apenas depois descobriu que ela havia dito que iria a um quiroprático (chiropractor, que em inglês soa parecido com choir practice). Nem sempre é uma lição aprendida. Na vez seguinte, quando a amiga lhe disse em tom de brincadeira que iria ao ensaio de coral, Sacks entendeu ainda outra coisa: fogos de artifício (firecrackers).
Nem todos terão a paciência e a meticulosidade para manter um caderninho de enganos auditivos, mas estar aberto ao autoconhecimento é um bom início de conversa.
