A maioria dos professores que tivemos na vida não fomos nós que escolhemos. Na escola, certamente não. Na universidade, há margem de opção, mas mesmo assim as possibilidades são limitadas. Foi assim que conheci, no mestrado em Letras, a professora Rita Terezinha Schmidt, com quem cursei a disciplina de Tópicos de Teoria da Literatura, nos idos de 2005. A cadeira era conhecida pela profundidade – e, muitas vezes, dificuldade – das leituras requeridas, mas o esforço era recompensado. Você pode passar a vida inteira lendo livros, vendo filmes e indo a peças de teatro, mas, se não tiver conhecimento sobre teoria, terá uma capacidade de reflexão um tanto restrita sobre tudo que absorveu.
Dizem que a teoria aprisiona o pensamento. Bobagem. Para mim, a teoria liberta. Com Rita, os alunos da pós em Letras da UFRGS aprendem sobre formalismo, estruturalismo, marxismo e desconstrução, entre outras vertentes. É uma das maiores especialistas no Brasil em crítica literária feminista, tema ao qual tem dedicado sua atividade docente.
Como Rita foi minha orientadora de mestrado e doutorado, há algum tempo eu ouvia falar do livro que ela estava preparando, um apanhado de 30 anos de produção intelectual. Havia grande expectativa dos orientandos e alunos. E agora o livro saiu. Na verdade, o lançamento foi em novembro do ano passado, na Feira do Livro de Porto Alegre, mas nunca é tarde para descobrir um grande livro. Claro que Rita tem uma extensa lista de artigos publicados em periódicos e volumes organizados, mas um livro assim, só dela, esse é o primeiro. Chama-se Descentramentos/Convergências – Ensaios de Crítica Feminista (Editora da UFRGS, 448 páginas, R$ 40).
Quem imagina a literatura e a cultura como um campo progressista talvez se surpreenda com os relatos sobre a resistência do meio acadêmico brasileiro, nos anos 1980, frente à emergência do feminismo, com suas demandas pela reinterpretação da literatura e pela redescoberta de escritoras apagadas pela história. Os críticos tradicionais costumavam atribuir à escrita feminina estereótipos como “intuição”, “emoção” e “sensibilidade”. Rita e as críticas feministas, pelo contrário, desvelam poéticas complexas, multifacetadas e repletas de potência crítica e política. Essa ideia de um esforço coletivo da crítica feminista é cara a ela, como explica na introdução do volume. Trata-se, de fato, de um movimento.
Entre os autores abordados no livro, estão Machado de Assis, Clarice Lispector, James Joyce e Virginia Woolf. São artigos fundamentais para entender o que aconteceu com a cultura nas últimas décadas e, principalmente, para conhecer o itinerário do pensamento feminista, suas batalhas e conquistas. Em um tempo de simplificação da linguagem nas redes sociais e nos memes, Rita nos lembra que ideias sofisticadas exigem uma escrita idem.