O psicanalista britânico Adam Phillips ficou conhecido nos últimos anos por seus livros de leitura agradável – embora não simplista – e por sua curiosa proposta de ler Freud como literatura. É uma visão bastante diferente da perspectiva mais tradicional baseada na ideia de cura pelo divã. Phillips não parece muito interessado na ortodoxia: para ele, a psicanálise é a arte de apontar maneiras diferentes de enxergar um aspecto da vida. Mas isso não é pouca coisa.
Uma de suas sacadas que não canso de comentar com os amigos está no livro O que você é e o que você quer ser, publicado no Brasil há alguns anos. Nele, o autor afirma que as vidas que não vivemos fazem parte da nossa experiência tanto quanto nossa própria vivência. Pense nas viagens que você deixou de fazer, nos planos pessoais ou profissionais frustrados e em tudo que ainda gostaria de realizar nos próximos anos.
Agora: quem consegue admitir para si mesmo que jamais colocará em prática tal plano e que, portanto, ele passará a fazer parte da sua vida não vivida? Assumir isso é quase um atestado de fracasso. Mas sabemos que temos muito mais vontades do que a nossa capacidade de executá-las, seja por imperícia ou por pura falta de tempo.
Nas minhas vidas não vividas, gostaria de ser tradutor de literaturas de idiomas pouco falados por aqui, como norueguês, coreano e vietnamita. Nunca traduzi nada e não me pergunte por que escolhi essas línguas e não outras. Sei lá, talvez porque são diferentes. Ou porque precisamos ler Ibsen em tradução direta. É como saber um código secreto ao qual poucos têm acesso. Isso também diz muito sobre minha admiração pelos tradutores que se aventuram por esses mundos tão diferentes. Assim como um psicanalista, o tradutor é um profissional em quem precisamos aprender a confiar para que tudo dê certo ao final.
E aqui o ciclo se completa. Porque também a literatura é uma forma de experimentar vidas que jamais serão as nossas. Quantos reinos podemos visitar apenas lendo as peças de Shakespeare? Esse contato com a alteridade é o que nos resgata do tédio da rotina, pois nada impede que nos inspiremos nessas histórias para trazer um pouco mais de graça a nossas próprias vidas.