Na véspera do domingo, 8 de janeiro de 2023, uma septuagenária “Tia do Zap” chamada Iraci Nagoshi pegou um ônibus em São Caetano do Sul (SP) e foi para Brasília engrossar a manifestação de protesto que, ao longo daqueles dias, mobilizava caravanas pelo país – como era do conhecimento do governo e das forças de segurança, registre-se. Iraci nada temia, porque, como a imensa maioria dos brasileiros que acorreram à capital federal, tinha propósitos pacíficos e acreditava que aquela seria mais uma de tantas manifestações das quais participou sem registro de qualquer ato de incivilidade, nem mesmo lixo jogado ao chão. Estava enganada, descobriria a idosa no dia seguinte, quando se viu em meio a um tumulto generalizado em que todos corriam para qualquer lado que oferecesse proteção contra bombas de efeito moral que vinham do alto para deter a ação de vândalos que surgiram não se sabe de onde nem como – e nem se quer saber, pelo visto. Desarvorada, correu para dentro do Palácio do Planalto para se proteger, e lá foi presa.
Passou semanas acotovelando-se com mais de 10 detentas em uma pequena cela no presídio de Brasília, engoliu o que dava para engolir da boia que lhe deram, tomou banho frio, passou pelo que jamais imaginou que passaria aos 70 anos de uma vida plena e produtiva, em que se dedicou ao ensino da Língua Portuguesa e até exerceu funções de diretora de escola. Dali, da “Colmeia”, como a prisão feminina é chamada, Iraci não sairia tão cedo, como julgava que aconteceria por nada haver cometido. Só em agosto de 2023, oito meses depois, foi posta em liberdade, mas com uma tornozeleira eletrônica que limitava seu raio de ação a poucos quilômetros – geringonça da qual estava dispensada, por exemplo, a advogada conhecida como “Dama do Tráfico” que, mesmo julgada e condenada em duas instâncias, foi recebida em audiências em dois ministérios (Justiça/Segurança Pública e Direitos Humanos) e ainda teve passagens aéreas bancadas... pelo governo federal.
Iraci Nagoshi só teve autorização para retirar a tornozeleira no início de março, quando sua defesa provou que ela teria de passar por uma cirurgia delicada depois de ter fraturado o fêmur. Horas depois da cirurgia, lá estavam os agentes para recolocar a tornozeleira na professora aposentada. Mal se recuperava do procedimento, a família recebeu a notícia de que Iraci Nagoshi fora enfim julgada pelo Supremo Tribunal Federal. Julgamento de baciada: no bolo estavam ela outros 14 réus do 8 de janeiro, sem individualização de condutas, sem direito a ampla defesa, sem observância do princípio do juiz natural, sem tudo o que a lei brasileira garante, ou garantia, até que o STF se tornasse isso que se tornou – e mais não posso dizer, se é que você me entende.
Eis, então, que o Brasil, pela ação de um tribunal sem freios legais, condenou uma idosa, Iraci Nagoshi, 71 anos, a 14 anos de prisão por crimes como “associação criminosa”, “golpe de Estado” e “abolição violenta do Estado Democrático de Direito”. Além de uma pena de prisão que se estende até seus 85 anos, Iraci terá de raspar as economias de uma vida simples e operosa para pagar cem vezes o valor de um terço do salário-mínimo.
“Preocupante”, escreveu Elon Musk ao comentar o infortúnio de Iraci e de uma nação inteira submetida a tamanha infâmia.