Feliz Natal, pela milésima, seiscentésima octogésima quinta vez. Sim, esse é o Natal número 1.685, e não 2.021. Ou você acha que o primeiro Natal foi no ano zero, quando Cristo nasceu? A começar que o ano zero, ou anno Domini (ano do Senhor) só começou a ser (retroativamente) contado a partir do ano 532 (ou ano 248 da Era Diocleciana). Isso significa dizer, aliás, que o primeiro Natal foi celebrado quase 200 anos antes de o monge Dionísio, o Exíguo, ter criado o novo calendário, usado até hoje.
Sei que está parecendo confuso. Mas a culpa não é minha: é do calendário, da mitologia cristã, dos malditos romanos (como diria Obelix) e da Igreja nascida em Roma. Vamos tentar botar as coisas (e os números) em ordem: foi no ano de 336 da Era Cristã (que ainda não era o ano 336, mas o ano 52 da era Diocleciana) que o papa Júlio I estabeleceu 25 de dezembro como dia oficial do nascimento de Cristo. Mas claro que Cristo não havia nascido no dia 25 de dezembro do ano zero. Primeiro, porque o ano zero não existia; segundo porque Cristo provavelmente nasceu em março.
O que levou Júlio I a escolher esse dia – no ano que, dois séculos depois, viraria 336 – foi o fato de o cristianismo enfim estar deixando de ser perseguido pelo Império Romano. O auge dessa perseguição se dera justo sob o reinado de Diocleciano. Mas ele bateu as botas, Constantino assumiu o comando, sonhou com uma cruz e fez do cristianismo religião oficial do Império. O papa Júlio aproveitou a deixa e instituiu o nascimento de Cristo como sendo 25 de dezembro, dia em que já havia uma grande festa em Roma. Dia, não: a semana toda, pois a ruidosa celebração do solstício durava de 17 a 25 de dezembro. Era a Festa do Nascimento do Sol Vencedor (“Natalis Solis Invicti”), o autêntico Natal Luz.
Os cristãos se apossaram da data. Mas lamento informar que as coisas antes eram mais divertidas do que no novo Natal cristão – até porque, além de ser festejado só por um grupelho, depois que Constantino morreu em 337, os Natais seguintes voltaram a ser celebrados às escondidas, nas catacumbas, e não com comes e bebes, presentes e outros prazeres, à vista de todos.
Mas sem peru, pois dando sequência à série de apropriações e mal entendidos, o peru entrou de gaiato nessa história. Primeiro, nunca houve perus no Peru – o peru é nativo dos Estados Unidos. Mas sabe como se diz peru lá? Diz-se turkey. Só que também nunca houve perus na Turquia, foi outro equívoco. Os ricos comiam cisnes no Natal. Mas em 1621 houve o primeiro Dia de Ação de Graças, quando os índios Massachusetts ofereceram peru para os conquistadores, que depois os matariam. Só então o peru passou a morrer de véspera. E eu vou parando por aqui, antes que tenha que pagar o pato pela confusão que não fui eu quem começou.
Feliz Natal, pela 1685ª vez.