Estou escrevendo um roteiro de cinema. Assim que ele estiver concluído, pretendo apresentá-lo a Ahn-cine, ou Arcine, sei lá como se chamará o órgão fomentador do cinema nacional quando retomar suas atividades. Tão logo o projeto seja aprovado, tentarei obter financiamento via lei Renô-Juanê junto ao crème de la crème do empresariado nacional. Busco em especial lojas varejistas que prezem a liberdade e as estátuas, ou redes de fast food com tempero árabe. Não tenho dúvida do sucesso de ambas as empreitadas, apesar das ásperas veredas burocráticas que o roteiro ainda terá que percorrer até receber o beneplácito do ex-Ministério de Cultura e dos investidores.
A trama é irresistível e seu título também: penso em chamar meu filme de O Processo de Kafta.
O enredo é simples, um tanto corriqueiro até: trata-se da história de uma esfiha transgênero que trepa numa goiabeira para calcular quanto seria 30% de cem barras de chocolate, confunde-se na conta (acha que são apenas três barras) e acaba por sorver uma estranha substância. Quando desperta do pesadelo aritmético, vê-se transformada numa barata ateia que, além de defender o aborto, tem uma maçã envenenada (por agrotóxicos proibidos no mundo todo, menos no Brasil) encravada nas costas. O dito inseto passa então a se alimentar só de kaftas, num processo genuinamente kaftaniano (daí o título...).
O enredo não é tão banal quanto aparenta, pois há várias subtramas: um guru guri, malvado caçador de ursos, cuja boca é um vaso sanitário, e uma princesa lésbica congelada numa torre após ser submetida a castração química, pois não merecia ser estuprada. Eles se unem a Abraham, o caçador de bruxas, que quando chegou numa casa de chocolate não soube dizer com quantos paus se faz uma canoa. Há ainda um apresentador de TV, o Capitão Fracasso, rival do coronel que virou suco. Tínhamos a Senhora Sofazão, que fazia um papel ridículo: era uma laranja. Com o corte de verbas, ela ficou fora: há damares que vêm para bem.
O filme estrearia numa sessão especial para idosos, promovida por grande instituição financeira. Mas, como ela só lucrou 336 bilhões de pilas, esse “serviço” foi cancelado. Ainda assim, apesar de eu ainda não vislumbrar o desfecho da trama, acredito que a película será um retumbante sucesso.
Só não me convidem para vê-la.
PS: Imagino que você esteja sentindo falta de outros personagens clássicos: Narizinho, Lindinho, o Sapo Barbudo, o Palhaço Palhoça. É que esses estavam numa série de TV que concebi, mas a Rede Bobo preferiu não produzir. Penso em recorrer à Rede Recorte, pois transformei a história em drama bíblico, com as sete pragas do Egito realocadas no Brasil, onde o Mar Vermelho, ao invés de se abrir, se fecha, afogando os supracitados e deixando todos à mercê de gafanhotos, baratas e metamorfoses kaftanianas. Mas alerto: o roteiro é ruim, os personagens são péssimos e a direção é frouxa. Só o cenário se salva.