Estive na sede da CBF na terça-feira (4) para conversar com o presidente da Comissão de Arbitragem, o coronel Marcos Marinho, sobre o atual momento da arbitragem brasileira. O objetivo era buscar uma avaliação do dirigente sobre os motivos que causaram a queda de rendimento dos árbitros e projetar a expectativa pelo uso do VAR na próxima temporada. A surpresa foi descobrir que a implementação do árbitro de vídeo no Brasileirão 2019 está longe de ser uma certeza. Assista ao vídeo e ouça o áudio da entrevista no final da matéria.
Há muitas pendências que precisam ser resolvidas para que todas as exigências da International Football Association Board (Ifab, o órgão que regulamenta as regras do futebol) sejam cumpridas, de acordo com Marinho. A principal delas diz respeito aos direitos de televisão. O Atlético-PR, por exemplo, assinou contrato com o Esporte Interativo para transmissão em canal fechado.
Ao mesmo tempo, o clube paranaense ainda não renovou contrato com a Globo para que as partidas possam ser mostradas em TV aberta ou paga no sistema de pay-per-view. O gerente de planejamento do VAR na CBF, Ricardo Bretas, acompanha de perto o desfecho dessa e de outras questões, que precisam ser resolvidas até a realização do conselho técnico dos clubes, em fevereiro. Esse evento será o momento para que os clubes votem a favor ou contra o uso do árbitro de vídeo. Em 2018, Grêmio e Inter foram favoráveis.
Isso faz com que Marinho seja muito cauteloso ao projetar a utilização do VAR na competição nacional do ano que vem. Confira abaixo a entrevista:
Haverá o uso do VAR em todas as rodadas do Brasileirão de 2019?
Existe um processo em andamento. Existe uma série de coisas que precisam ser verificadas antes. O treinamento das pessoas está sendo bem encaminhado. Os árbitros estão sendo treinados e houve experimento na Copa do Brasil que foi muito importante. Existe outra questão que são as empresas que vão fazer esse tipo de trabalho. Temos 10 jogos por rodada. Não são dois ou três como foi na Copa do Brasil. Isso tudo está sendo avaliado. Tem as transmissões. Como vai ficar o problema que existe hoje com a TV Globo com alguns times e o Esporte Interativo que assinou com outros? Existe ainda algo para ser resolvido. Está em andamento esse processo. A vontade dos clubes é de que realmente tenha o VAR, mas para você implantar de uma maneira que seja garantia de sucesso e não termos um problema a mais para resolver, tem que passar por uma série de etapas para realmente estar tudo funcionando quando for implantado. Na primeira rodada tem que estar tudo perfeito, testado, empresas aprovadas pela Ifab. Existe um protocolo muito rigoroso para você aprovar o VAR. Se não for autorizado, não pode ser usado porque a Fifa consideraria a competição inválida. Existe um compromisso muito sério. Está sendo passado para a direção (da CBF), que passará para os clubes, e no dia do conselho técnico isso tudo estará com um pacote realmente fechado. Os clubes vão aprovar ou não.
Sei que é difícil mensurar, mas hoje, dezembro de 2018, se tivesse que colocar em uma escala de zero a dez, qual a chance de ter o VAR em todas as rodadas do Brasileirão do ano que vem?
Em termos do treinamento do pessoal nós estamos com uma chance grande. Praticamente podemos fazer amanhã com os árbitros que estão treinados. Mas, como falei, dependemos de outras coisas. Empresas que estejam realmente habilitadas pela Ifab, que exige isso também, e essa situação do direito de imagem do evento. Quem vai fazer e de que forma isso será canalizado para o VAR? Tem que ser a imagem do jogo. Não pode ser uma imagem qualquer. Resolvidas todas essas situações, a gente espera realmente tenha o VAR, mas existe uma série de coisas que precisam ser discutidas.
É possível dizer que colocar o VAR no Brasileirão 2019 não depende da CBF?
Não depende dela. A CBF cumpriu com todo o seu protocolo, mas a empresa que vai executar pode ter deixado de cumprir alguma coisa com a Ifab. Os operadores precisam estar habilitados, inclusive estamos fazendo isso junto com a empresa. Tem que estar tudo redondinho se não a Ifab não dá o carimbo. Precisamos ter esse cuidado para que na primeira rodada tudo esteja zerado em termos das exigências. Hoje existe um gerente de projetos do VAR que cuida disso. Estamos com a vontade de que tenha o VAR no Brasileirão. Depende realmente de tudo estar dentro do previsto. Se não tiver, teremos que esperar mais uma vez. Paciência.
Quanto vai custar e quem pagará o uso do VAR? É possível tirar essa conta dos clubes, fazer alguma parceria com um patrocinador ou a CBF assumir esse gasto?
Isso é uma discussão que cabe à diretoria da CBF com os clubes. Não sei realmente de que forma o VAR será sustentado. Eu nem quero me intrometer porque meu objetivo é tratar da parte técnica. Lógico que quando se fala em custo não é só o valor do jogo. Dentro disso está um pacote de treinamento. Para treinar essas pessoas, por exemplo, você tem dez dias reunido com um grupo. Tem hospedagem, viagem, todo equipamento instalado e montado para você executar um treinamento para fazer um jogo. Antes de uma partida também tem que ter tudo montado para fazer um teste um dia antes. Não é só ir lá no dia do jogo e dizer que vai custar só isso. É um pacote completo com treinamento e manutenção disso. Então só depois que se monta uma estratégia e se vê os recursos que vão chegar e como vamos fazer. Isso será colocado no conselho técnico para os clubes. Estamos ainda no processo para definir quando custaria o VAR no Brasileirão de 2019.
Seria possível fazer uma espécie de central do VAR em um local único que tenha conexão com os estádios para fazer com que o custo não fosse tão grande?
Não. Hoje não tem condições tecnológicas no país. A fibra óptica, que seria necessária, não tem em todas essas localidades. Daria para você fazer em três ou quatro regiões esse trabalho. Tem outras que não tem condições ainda. Temos que montar lá todo o sistema para dar uma garantia de que não vai dar nenhum problema no dia do jogo. Existe uma exigência técnica da Ifab de que tem que ser tudo perfeito em relação a isso. Precisamos dessa garantia e hoje não temos. Não sei a condição em Porto Alegre, no Nordeste ou em São Paulo. Teríamos que fazer um levantamento sobre quem tem essa fibra óptica e em que situação está. É um investimento muito alto.
Tendo em vista o custo, as dificuldades geográficas e tudo o que envolve o projeto, fica muito claro que colocar o VAR no em todo o Brasileirão não é algo simples. O senhor estuda a possibilidade de colocar só em uma parte do campeonato, como foi proposto pelo Inter na reta final do Brasileirão deste ano?
Isso tudo tem que ser discutido no conselho técnico, se vão aceitar esse tipo de proposta. São levantadas várias possibilidades. Temos que ter unanimidade ou aprovação por maioria. Se quiserem em determinada rodada, pode se definir isso. Se será da primeira em diante ou da vigésima para frente, isso tudo será discutido no conselho técnico. Vão dimensionar os custos e decidir. Mas é justo? Se decidirem da vigésima para frente, então da primeira até a décima nona não valeu nada? Se alguém foi prejudicado vai ficar no prejuízo? São coisas que precisam ser pensadas com cuidado. Em fevereiro, queremos ter todas as informações para que se possa decidir pelo melhor caminho. Se tivermos 100% de certeza de que o VAR não será um problema e sim uma solução para a competição, vamos aprovar. Não é a vontade de um ou de outro. É a vontade de um colegiado.
Como fica o uso do VAR na Copa do Brasil?
A Copa do Brasil é diferente. A CBF organiza tudo. É bem diferente do Brasileirão. Aí você pode determinar a partir de uma determinada fase do campeonato. Não dá para fazer desde o início porque o número de jogos é muito grande. O que interessa é em determinada fase, quando as coisas se decidem, para chegar ao campeão de forma justa. Então, é viável. O Brasileirão é diferente. São várias rodadas e dez jogos por rodada. A competição de pontos corridos é diferente. Se um clube é prejudicado em um momento, ele beneficiado em outro. No fim das 38 rodadas, há uma "compensação", vamos dizer assim entre aspas, para todo mundo. Acaba sendo um campeonato justo. Diferente de uma Copa do Brasil que é eliminatória.
Eu imaginava que o VAR estivesse mais perto de ser uma certeza. O senhor não chegou a colocar numericamente aquela escala, mas partir do que estou ouvindo, o sentimento é de que a chance de termos o VAR seria de cinco em dez. É mais ou menos por aí?
Hoje não temos todos os fatores fechados. O principal problema é a imagem. Quem vai ceder a imagem? Tem clubes que tem contrato com outra televisão, que a acabou de passar por processo de mudança e não está resolvido. Está 100%? Não. Se tem essa pendência hoje, não dá para garantir o VAR. Existe um protocolo da Ifab que exige que a imagem seja igual para todo mundo em todos os jogos. Quem vai transmitir tem que ter o contrato com as empresas para que seja possível passar essas imagens. Não é simplesmente pegar as imagens. Tem janeiro e fevereiro para acertar isso. Existe um gerente de projeto que está vendo tudo, convocando as pessoas e se reunindo para que a coisa seja viabilizada. Existe uma grande vontade da CBF e do presidente (coronel Nunes) de fazer o VAR no Campeonato Brasileiro. Ele quer uma coisa que seja 100% confiável. Não vamos brincar com o Brasileirão fazendo o VAR. Se nós colocarmos em prática é porque cumpriu todas as etapas que são exigidas para uma competição. A Ifab e a Fifa tomaram esse cuidado e criaram um protocolo rigoroso. Eles não querem causar descrédito porque é uma ferramenta que chegou para ficar.