Comecemos pelos poréns. Tudo bem que os tubarões europeus, como não se trata de torneio oficial da Fifa, dão de ombros sem risco de sanção e liberam seus jovens talentos para as seleções, ainda mais as sul-americanas. Há uma briga eterna e nada romântica da entidade que manda no mundo da bola e o Comitê Olímpico Internacional (COI).
A Fifa não quer concorrência de suas estrelas quando não ganha um tostão furado por isso. Essa história do legado do Barão de Coubertin é papo furado. Ainda existe para o atleta na hora da prova ou do jogo, porque ali a magia do esporte impera, mas o entorno é uma indústria medonha. O custo de um ouro olímpico envolve milhões nas grandes potências. Não há santinho nessa ronha, é o que quero dizer.
Então o Real Madrid não libera Vinícius Júnior e Rodrygo, assim como o Barcelona exigiu que Vitor Roque já fosse se ambientando e fazendo gols no Campeonato Espanhol — como, aliás, já está fazendo. Os três tem idade sub-23, conforme determina o regulamento. O próprio Endrick, 17, só é a estrela solitária da seleção que luta na Venezuela por uma das duas vagas aos Jogos de Paris, de 26 de julho a 11 de agosto, graças a um acordo com o Real, seu futuro clube. Já negociado pelo Palmeiras. Ele só se apresentará no Santiago Bernabéu no meio do ano, para a temporada 2024-2025. Seria possível fazer um time melhor do que esse do técnico Ramon Menezes, esse é o ponto. O Brasil passou a fase de grupos em primeiro lugar. É o atual bicampeão olímpico, inclusive.
Eis outros dois poréns importantes, para ninguém me chamar de lunático. Só que o futebol visto lá na Venezuela é comum. Burocrático. O Brasil parece uma Sérvia com jogadores mais baixos. Não se trata mais, sobretudo depois da Rio 2016, quando enfim conquistamos o último troféu que faltava, daquela necessidade de vencer de qualquer maneira, jogando só pelo resultado. Agora temos até dois ouros seguidos. Se vier a medalha dourada de novo, aquela pressão pré-2016 terá virado façanha inédita, vejam só. Desde 1900, quando o futebol entrou no cardápio olímpico (curiosamente também em Paris), só houve outros quatro bicampeões: Argentina (2004/2008), Hungria (1964/1968), Uruguai (1924/1928) e Grã-Bretanha (1908/1912).
Onde estão nossos extraclasse?
Com todos esses poréns talvez até razoáveis, sigo desencantado com uma questão central em todos as cinco Copas do Mundo que fazem do Brasil o maior vencedor. Onde estão nossos extraclasse? Neymar, se chegar até a Copa de 2026 em forma sem a disciplina que sobrou em Messi, será veterano. Quem é o seu sucessor? Em 1958, a genialidade de Pelé e Garrincha, sem contar com um séquito excelente na corte. Em 1968, Garrincha — repare que nem estou citando craques como Didi ou Nilton Santos. Falo do sujeito de outro planeta mesmo. Em 1970, nem precisamos avançar. Em 1994, Romário. Em 2002, Fenômeno, Ronaldinho e Rivaldo, os três com troféu de melhor do mundo Fifa em casa. Para 2026, quem será?
Não temos ninguém nem perto desse patamar. Em outros ciclos, essa passagem de bastão era sempre óbvia. Há quanto tempo não temos um melhor do planeta? Há quanto tempo só Neymar tem condições de ao menos pensar nisso? Nunca esquecerei de quando cheguei em Paris — olha ela aí de novo — para a cobertura da Copa de 1998. Havia cartazes de Romário e Ronaldo juntos por todos os lugares. Ruas, paradas de ônibus, laterais de prédios, estações de metro. Parecia que só havia um país, e não 32. Romário foi cortado antes da estreia com lesão na panturrilha. O mundo não teve a chance de vê-los juntos, mas repare que não era um só, mas dois extraclasse.
Agora, além da escassez de candidatos a supercraques, o entorno também baixou de prateleira. Há vários ótimos e excelentes na Europa, claro, mas quantos capazes de, como Roberto Carlos, ficarem em segundo lugar no troféu de melhor do mundo Fifa, em 1997, perdendo só para Ronaldo. Nosso lateral-esquerdo era um coadjuvante tão de luxo a ponto de só perder para o rei da corte. O próprio Rivaldo, um craque, não era a estrela principal da Cia, ofuscado pela magia de Ronaldinho e do Fenômeno. Vini Jr, Vitor Roque, Paquetá, Rodrygo e até mesmo o adolescente Endrick. Alguém os vê como herdeiros, em talento e protagonismo, desses que citei acima? Mesmo em Copas que não fomos campeões havia estrelas de grandeza única, como Falcão ou Zico.
Cultura tática não substitui talento individual
O que entristece, olhando a história e o contexto que sempre embalaram a Seleção Brasileira, é essa espécie de mediocrização dos nossos principais jogadores, ao confrontá-los com outras gerações. A organização e a cultura tática são fundamentais e jamais devem ser relegadas a segundo plano, de jeito nenhum, mas o que sonhávamos é que ele fosse um acréscimo, e não uma substituição do talento individual forjado de pés descalços nas ruas. Talvez algo tenha se perdido na hora de misturar os ingredientes desta fórmula que parecia condenada ao êxito contra os europeus. Antes eles lutavam para compensar falta de criatividade e de talento com disciplina e organização, mas agora estão nos superando em ambas.
Esse time olímpico, seja por quem está ou por quem não está na Venezuela, é médio. É medíocre. Pode até ser tri em Paris. O fato é que nossas promessas não nos dão esperança de voltarmos aos tempos dourados em Copa, e olha quem nem falei dos fiascos recentes nas Eliminatórias. Tomara que eu esteja bem errado e a eterna magia brasileira construa ou descubra um meteoro nesses dois anos e meio. Por enquanto, reina o desencanto.