Fico pensando em como deve estar se sentido o torcedor galês. Disputar uma Copa do Mundo, para um país pequeno e apaixonado por futebol como é Gales, eis um momento para a história.
O jogo é em Cardiff. Estádio lotado. Festa inesquecível, de matizes eternos, pais descrevendo as sensações para os filhos por muitas gerações.
Se garantir a vaga na repescagem neste domingo, os galeses enfrentarão a Inglaterra na fase de grupos. E também EUA e Irã, mas você sabe. Séculos de guerra, sangue e rivalidade permeiam a história desses dois povos, agora juntos sob a bandeira do Reino Unido, mas que, quando a bola rola em competições internacionais, são nações independentes. É possível que nenhuma pessoa no planeta seja capaz de imaginar o que vai pela cabeça de um galês diante dessa ideia: vencer, subjugar, derrotar a Inglaterra.
Só que, para entrar nesse grupo da geopolítica no Catar (imagine o aparato de segurança para Irã x EUA), Gales tem um problema pela frente. Será preciso superar a maior torcida do mundo.
Você e quase todo o resto do mundo, à exceção dos galeses, torcerá pela Ucrânia. Os brasileiros podem se identificar com o amarelo da camiseta, inclusive. A Rússia, que nas mãos de Vladimir Putin perpetra uma guerra criminosa contra a Ucrânia, foi excluída do Mundial pela Fifa. O debate sobre a justiça dessa punição desportiva é interessante. Há atletas russos não apenas contra a guerra, mas contra Putin. É correto o inocente pagar pelo pecador? Nesse caso, sim.
De alguma maneira, o povo russo, enquanto sociedade, permitiu a ascensão de Putin ao Kremlin. Ou não conseguiu tirá-lo de lá. Então, os inocentes têm de ter a consciência de que a sua contribuição para acabar com a guerra é importante. Injusta, talvez, porém correta.
O futebol está entre esses esforços. Rússia fora, Ucrânia dentro. É isso que o mundo quer.
Tomara que, na alvorada de novembro, quando começar a primeira Copa da história no Oriente Médio, a guerra já tenha terminado. O nível de tirania de Putin, entretanto, não nos dá essa certeza. Além do mais, os efeitos da invasão permanecerão por um século, no mínimo, como já disse o técnico Pep Guardiola.
Na vitória sobre a Escócia, os ucranianos pareciam possuídos pela energia positiva emanada de todos os cantos do planeta. Nunca se viu a Ucrânia, que luta pela segunda participação (a outra foi em 2006), jogar tão bem. Dominou do começo ao fim. Fez 3 a 1, mas o placar poderia ser mais elástico.
Um grupo expressivo de torcedores escoceses decorou o hino da Ucrânia, e olha que o alfabeto cirílico é duro de absorver, para cantar junto. Foi lindo. Mais que um jogo. A abstração do resultado como algo irrelevante diante do que estava ali representado. Foi assim em Glasgow, na primeira eliminatória da repescagem. Deve ser assim em Cardiff, a partir das 13h deste domingo.
A seleção da Ucrânia não entrava em campo desde o começo da guerra, em fevereiro. O lateral-esquerdo Zinchenko, do Manchester City, disse que agora não se trata mais de tática e técnica, e sim de "o jogo da sobrevivência".
Os galeses sonham com a sua segunda participação (a única foi em 1958, há 64 aos), mas se ficarem fora restará o consolo solidário de uma derrota que não terá sido em vão, em nome da paz e contra a intolerância. Se acontecer, e tomara que aconteça, a Ucrânia vai para a Copa do Catar na condição de proprietária da maior torcida do mundo. Com o apoio dos galeses, podem apostar. E Putin sentirá a humilhação de ver a Humanidade torcendo por esse bravo time de amarelo. Neste domingo, somos todos Ucrânia.