Talvez o resultado dessa experiência, no campo, ainda demore. Os clubes famosos que abraçaram a ideia da Sociedade Anônima de Futebol (SAF), vendendo ações para empresas ou milionários, estão falidos: Vasco, Cruzeiro, Botafogo. É preciso uma imersão de gestão antes de as coisas funcionarem.
Um dono não vai agir em sua nova empresa sem antes saber exatamente quanto e para quem deve. Mas é fato: o olhar nas Séries A e B do Brasileirão estará nas SAFs. Tendência por aqui, mas na Europa e países de outros continentes (México, por exemplo) é realidade há bastante tempo. Imagino que, ao menos, o salário não atrasará para os jogadores de Vasco, Botafogo e Cruzeiro.
Já é alguma coisa não atrasar a folha. Até o Grêmio revolucionário do ano passado, que conseguiu ser rebaixado pagando em dia e até oferecendo prêmios por vitória na tentativa desesperada para não cair, mês com mais de 30 dias era item de cartilha para desgraças do gênero. Até ordem em contrário, o Grêmio foi a exceção que confirma a regra. Os clubes que se agarraram na SAF como bote salva-vidas no meio do oceano após o naufrágio de seus titanics, suponho, ao menos receberão alguns reforços, gerando certo acréscimo de qualidade. Não farão timaços, ainda, se é que vão fazer, mas serão melhores.
Se der certo, anote aí, tenha certeza disso como a alvorada a cada dia: propostas chegarão a todos. Venho insistindo nisso por ser matéria de convicção, como dizem os advogados. E mais rapidamente do que a gente imagina. Vai ser uma onda de SAFs.
Inclusive para quem não estiver de pires na mão, casos de Grêmio (superávits) e Inter (tentando pagar dívidas do passado). A reação de colorados e gremistas dependerá do andar da carruagem destes bois de piranha, comos se diz na gíria. Se ambos começarem a tomar laço do Botafogo S.A, ficando mais distantes de classificação para a Libertadores, duvido que a torcida evoque raízes farroupilhas e não mude de opinião sobre ter dono.
Então esse Brasileirão será relevante também por esse aspecto. Ele ditará a velocidade das SAFs. Primeiro, nos endividados. Depois nos pequenos e médios sem problemas financeiros e, por fim, nos gigantes bem geridos.
A propósito, tenho algumas curiosidades já para esse ano. Com SAF, cabeça de treinador será decepada na primeira crise? Na Europa não é assim que funciona, mas lá existe uma cultura que aceita essa lógica do tempo e dos processos com derrotas duras até tudo acontecer. No Brasil é diferente. Os novos donos reagirão de que maneira a esse tipo de pressão?
Outro ponto são as organizadas. Elas existem também na Europa, e são igualmente violentas. Algumas com flertes facistas, em especial na Itália. Torcedor de organizada vai agendar encontro com a SAF para liberar entrada no CT quando o time perde?
Vai ter Serviço de Atendimento a Cliente? Vai ter SAC da SAF? Compliance de barra-bravas, gerando punições sem precisar jogar tudo nas costas da Justiça? No Brasil, presidente de clube fala mais do que governador de Estado, aqui nos pagos mais ainda. Dono de SAF vai falar depois de jogo para reclamar da arbitragem ou vai se comunicar pelo Twitter, atendendo a normas de empresas que monitoram e administram crises em redes sociais?
Outro ponto de observação nessa experiência incipiente no Brasil, ainda sem parâmetros pela nossa cultura ser diferente da europeia, ou seja, não dá para comparar taco a taco, é o lucro. Uma empresa de parafusos dar lucro é suficiente. Não é o caso do clube.
O torcedor quer título. Só gerar dinheiro servirá ao dono, não a quem faz a força da instituição nas ruas e nos estádios. No Manchester United, os fãs protestam contra a família Gleizer, proprietária há 16 anos. A gestão encontrou uma equação de lucro. Entrou em zona de conforto, enquanto o time toma laço de seus rivais.
Os donos americanos, lá longe, não parecem se importar muito. Protestos em dias de jogo são comuns em Old Trafford. O Manchester United dá lucro, mas perdeu protagonismo. Se isso acontecer no Brasil — dono na zona de conforto enriquecendo sem taça no armário — como faz para tirá-lo?
São questões que o Brasileirão das SAFs começará a responder a partir deste fim de semana. É um bom debate, quem sabe olhando para fórmulas que não transfiram 100% das ações ao bilionário de ocasião, como na Alemanha. Que a discussão venha com um atrapalhado Inter firme na Série A e o Grêmio de volta à elite em 2022.
Bom Brasileirão das SAFs a todos.