O nome decorre precisamente de como acontecia em meados do século passado. Erguia-se um poste, virados para a arquibancada inferior, com o alto-falante virado para a torcida. Eram vários, ao redor do gramado. Posicionavam-no rente ao fosso. Hoje parece medieval falar em fosso no estádio, mas há nem tanto tempo assim, até a Copa do Mundo de 2014 nos civilizar, achávamos que era preciso um esgoto profundo, com água suja e um cheiro medonho, para impedir invasões.
Quem caísse naquele buraco corria sério risco de quebrar a perna. Ou de ser devorado por jacarés. Lendas urbanas indicavam que algum réptil gigante nadava submerso, à espreita de alguma boa picanha. Melhor não arriscar. Pois era daquela engenhoca virada para a torcida, hoje repaginada em modernos telões 8K gigantes, que saía a voz do poste. O momento mais esperado era a escalação dos times. Era a senha. Em seguida, entrada em campo e bola rolando. Mas, antes disso, a voz da poste tinha outras funções. Anunciava-se carro mal estacionado, documento extraviado e aviso de ligar para casa. Não havia celular, lembre-se. Pode acreditar: éramos felizes.
Dizia-se que, neste último caso, o de telefonar para casa, podia ser uma mulher certificando-se de que o marido de fato estava no estádio, e não se esbaldando nas delícias da carne em algum estabelecimento próximo. E tinha o caso clássico do filho que se perdia dos pais.
— Fulano de tal, o seu filho está no portão tal.
As filas para comprar cachorro-quente eram intermináveis. Isso quando tinha fila, este emblema do mundo organizado. Na maioria das vezes eram aglomerações, tipo bloco de carnaval se movendo. Sair daquela confusão com um refrigerante ou cerveja na mão era tarefa física. Voz de tenor ajudava, para levar no grito. Voltar daquela balbúrdia são e salvo, com o troco certinho? Só os realmente fortes chegavam tão longe.
Como não havia lugar marcado, era comum os pais enviarem os filhos para a selva, no caso comprar uma Coca-Cola, como teste de maioridade. Enquanto eles, os pais, guardavam o lugar no cimento frio. Naquela época, os estádios não eram Nutella. Foi ao ar, perdeu o lugar: eis a lei. Muito comum, portanto, os filhos, no meio da multidão, às vezes saindo por um portão e retornando por outro, perderem o ponto exato de onde estavam os pais. Enfim: a voz da poste, além das escalações, exercia função social e de utilidade pública.
Os estádios padrão Fifa mudaram este cenário, mas não conseguiram acabar com a mística da voz da poste. Que parece até mais forte, sobretudo na hora das escalações. Agora tem a imagem dos jogadores no telão. O torcedor delira. As emissoras de rádio plugam o som para sentir quem está de bem com a galera. E o som é uniforme. Todos ouvem a mesma coisa ao menos tempo, e não aos pedaços e até com certo atraso, como no passado. Dois jornalistas são as vozes oficiais de Inter e Grêmio.
A voz do poste do Beira-Rio é feminina. Natália Mauro, 29 anos, exibe um tom forte e grave, porém macio. Se fosse cantora de jazz americana, estaria rica. Mas ela, uruguaia na certidão, filha única de pais cisplatinos (um Nacional, outro Peñarol), porém gaúcha e colorada desde a mais tenra infância em Porto Alegre, não arrisca nem Parabéns a Você. Natália tem funções múltiplas na comunicação do Inter desde 2014, mas é reconhecida pelos colorados pela voz inconfundível, apesar a imagem emoldurar vídeos à mancheia no site do Inter.
O seu campeão de audiência, proclamado com mais vigor a cada sílaba, volta e meia a chama de "uruguacha" no dia a dia, pela cumplicidade do idioma:
— D'Aaaaaleeeeeeesaaaaaandrôôô!
— Na reinauguração do Beira-Rio, o slogan era "um estádio com alma". Alma é uma palavra feminina, daí a ideia de uma locutora na escalação. O Inter foi pioneiro nisso aqui no Rio Grande. Fico feliz e orgulhosa de defender mais uma bandeira da mulher, ainda mais no meu clube — orgulha-se Natália.
Marcelo Bergter, 37 anos, vê-se logo, é um cara humilde. Abaixa o tom e quase sussurra na conversa, para não humilhar os mortais com sua clássica voz de trovão. Ex-apresentador e locutor da TVE e da Fundação Piratini, é um pé-quente. Assumiu a voz do poste em 2016, justamente ao final dos 15 anos sem títulos. Seu bordão mais aplaudido?
— Reeeeeeeenááátooo!
— Imagino que terei vida longa no cargo. Sou pé-quente — diverte-se Marcelo, que emocionou o Brasil ao ler um texto em homenagem às vítimas do acidente da Chape na Arena lotada, antes da final da Copa do Brasil, contra o Atlético-MG, primeira partida oficial após o desastre.
Natália e Marcelo têm alguns macetes. Se percebem vaia acintosa para alguém, emendam logo o próximo dos 11 a declamar, para evitar constrangimentos. Nos Gre-Nais decisivos do Gauchão, tanto neste domingo, no Beira-Rio, quanto o da Arena, na quarta-feira, eles nem precisarão recorrer a esta bengala. Inter e Grêmio chegam bem, com astral bom, sem jogadores escalados às turras com suas torcidas. Barbada para as vozes do poste.