Passei a semana em Buenos Aires, na cobertura integrada dos veículos da RBS para a semifinal da Libertadores entre River Plate e Grêmio. Como se sabe, Renato armou um time com Michel atrás de Maicon e Cícero. Pelas extremas, fechando a linha, Ramiro e Alisson. Este atacou como ponteiro e marcou como zagueiro.
Todo esgualepado, sem Everton e Luan, o Grêmio lacrou o meio. E asfixiou o River até que a falta de ar tirasse a lucidez dos zagueiros de Marcelo Gallardo. Entre eles, Michel golpeou de cabeça, aparando escanteio de Alisson. Baita vantagem. Mas alguns diálogos com torcedores indicam que a maior rivalidade do mundo não entregará a vaga na final tão resignadamente ao Grêmio.
Casa Amarilla é o nome do CT do Boca Juniors, ao lado da nem tão mítica assim Bombonera. Você sabia que caixas de som estrategicamente colocadas entre a torcida amplificam o grito dos hinchas? É um caldeirão, sem dúvida, mas a história de cantar mais alto é lenda. Gritam sim, e muito, mas tanto quanto a maioria das torcidas mundo afora.
Bem, o Grêmio ia treinar na Casa Amarilla, e o motorista que nos levaria até lá era River fanático. Já tinha até comprado ingresso para o jogo da Arena. Virá de carro com três amigos, para dividir a gasolina. Quando informamos nosso destino, Zé Alberto Andrade e eu, ele parou:
– Não vou até esse lugar.
– Por que não?
– Tudo lá cheira mal. Sabe o que é CABJ? Club Atlético Bosta Juniors.
Apesar do discurso, fomos até La Boca. Tudo ia bem – até o surto de verdade:
– O que está acontecendo lá? – ele quis saber, puxando assunto.
– Tem treino do Grêmio – respondi, sem imaginar o soco na direção.
– Hijos de p... Abrindo las puertas para nuestros enemigos. Que vayan todos a la concha de tu madre.... – explodiu, dessa vez em castelhano autêntico, sem tentar se fazer entender com portunhol.
– Mas é normal isso! O time visitante treina no campo do rival na cidade. É fair play – tentei contornar.
– No! Para nada! Ninguno entrena en la cancha de River! Jamás!
Pensei em advertir, em tom de brincadeira, que o chilique só confirma o apelido de gallinas, uma referência ao bairro Nutella onde fica o Monumental, em contraste com La Boca, classe média baixa e raiz. Achei melhor não. Ele era gordo, uns dois metros de altura, barba por fazer. Só faltava o chapéu de organizada. Melhor não causar nenhum incidente diplomático.
– Nem estádio eles têm direito. Esqueceram de fazer uma parte – resmungou, sobre a arquitetura da Bombonera, que não é totalmente fechada, e já voltando ao portunhol.
O presidente da Argentina, Mauricio Macri, ex-dirigente do Boca nos áureos tempos da virada do milênio, disse que torceria para uma decisão brasileira. Como a fase do Boca é ruim, enquanto o River empilha taças há quatro anos, Macro preferia não correr o risco de ver o River campeão e, pior, campeão ganhando do seu Boca Juniors.
Perder essa final inédita seria a vergonha suprema, uma tatuagem eterna. Ingenuamente, perguntei a um torcedor do River, que saía do Monumental de ingresso na mão, feliz da vida, antes do jogo de terça, se o país não sentiria orgulho de ver suas duas potências duelando por uma taça continental. Pablo Ferri, 40 anos, fulminou-me com os olhos:
– Passam River e Palmeiras.
A hinchada do Boca está insuportável após o 2 a 0 sobre o Palmeiras. Enquanto o River teria sido mais pecho flaco (peito fraco, sem alma) do que nunca ao perder em casa para o Grêmio, o Boca ganhou na marra dentro da Bombonera, mesmo sendo o pior entre os quatro semifinalistas. O velho papo de que, na hora do mata-mata, em se tratando de azul e dourado, tirem as crianças da sala. Com a rivalidade fervilhando na Argentina, o River não pretende deixar barato a derrota para o Grêmio.
Tudo o que Gallardo não deseja é encerrar seu ciclo como técnico, no clube do coração, vendo o rival erguendo La Copa. E sem fazer nada para impedir. Se for eliminado, é o que acontecerá. É bom o Grêmio abrir o olho.
A vantagem é enorme, mas todo o cuidado com a força que a maior rivalidade do mundo é capaz de produzir é pouco.