A Folha de S.Paulo publicou dados, retirados de uma pesquisa sobre o mercado de trabalho no futebol, que me deu uma sensação péssima acerca do Brasil. Parece que andamos em círculos, sem rumo. No balanço de avanços e recuos ao longo dos anos, volta e meia bate a impressão de que voltamos um casa atrás de onde partimos. E nem precisa passear pelas redes sociais para suspeitar disso. Agora mesmo, durante a greve dos caminhoneiros.
Houve quem fosse protestar na frente da Refinaria Alberto Pasqualini, a Refap. Tentavam impedir a saída de caminhões-tanque de combustível, mesmo depois de atendidas todas as reivindicações, como a redução no preço do óleo diesel. Exigiam a volta da ditadura, com faixas e tudo. Usavam a liberdade de manifestação, só possível numa democracia conquistada com muito sofrimento, para defender um regime que prega justamente o fim de todas as liberdades. E prende quem protesta em portão de refinaria.
Deve ser uma minoria sem noção. Prefiro pensar assim. O certo é que o levantamento da Folha junto aos registros mais recentes do Ministério do Trabalho revela: apenas 3% dos jogadores profissionais ganham mais de R$ 51 mil. O perfil médio tem 23 anos e sonha com três dígitos ao fim do mês em longos vínculos, carrões modernos e mulheres. No mundo real, seu contrato não passa de um ano. O salário é de quatro mínimos.
Nada muito diferente do cenário que esquadrinhei há quase 20 anos. Em 2001, apurei dados e levantei histórias gaúchas para uma série de reportagens batizada de Desemprego Futebol Clube. Dados da CBF indicavam que, dos 800 clubes brasileiros registrados no alvorecer do novo milênio, apenas 50 funcionavam o ano todo. Logo, centenas eram demitidos a cada semestre. Dos 22 mil jogadores inscritos oficialmente na CBF, nada menos do que 20 mil recebiam salário mínimo.
Isso quando eles realmente viam a cor do dinheiro, especialmente no Interior. Mas isso não era líquido e certo. Durante a apuração, encontrei um volante que aceitou rifas para vender na praça. Era a única possibilidade de receber. Um lateral trabalhava cortando lenha pela manhã e, à tarde, pedalava quilômetros de bicicleta para treinar. Certo dia, não deu tempo de almoçar. Desmaiou enquanto trocava passes. Isso sem falar no time do Riograndense, de Cruz Alta.
Para disputar a terceirona, o estádio tinha de se adequar às normas da FGF. Recrutados através de anúncios de jornal, os jogadores abraçaram a causa de trabalharam de operários, de capacete e tudo. Somente depois vestiam chuteiras. Valia tudo na luta pelo emprego. Ao final das competições vinha a pior parte para driblar o desemprego: telefonar a técnicos e dirigentes, oferecendo-se para jogar.
A Lei Pelé, que acabou com o absurdo de um jogador não ter direito de decidir para onde ir ao final do contrato, como qualquer trabalhador, não mudou em nada a vida dos que formam a base da pirâmide. Ficou igual. Nem pior, nem melhor. Mas é desanimador perceber que, 20 anos depois, nada mudou. As questões se repetem, sem solução: desemprego, calendário inchado, árbitros não-profissionais, denúncias de ingerência de empresários na base, agora até casos de abuso sexual entraram na pauta. O sindicato dos atletas de São Paulo já fez campanha de prevenção.
O Brasileirão não é organizado por uma liga dos clubes, como nos grandes torneios nacionais da Europa. A CBF segue sendo uma ação entre amigos, com um passando o cargo ao outro. Nem a prisão de José Maria Marín e o banimento de Marco Polo Del Nero pela Fifa foram capazes de romper esse processo ou de acabar com a subserviência dos clubes. A Copa começa em duas semanas e nossa única mudança é o técnico. Tite assumiu na emergência com unanimidade, classificou-se em tempo recorde nas Eliminatórias e colou sua reputação intocável na da Seleção.
Mas é um nome, por melhor que seja. O mecanismo prossegue, sem arranhões. Quando deixar o cargo, a menos que mude de ideia e aceite mais um ciclo, abrindo mão do sonho de trabalhar na Europa, qual será o sentimento? O mesmo de quando li os dados da Folha recolhidos junto ao Ministério. Ou de quando vi aqueles cegos no portão da Refap, clamando pela volta da escuridão. Espero que a Seleção na Rússia me faça mais otimista do que neste fim de semana de rodada cheia.