No dia 14 de maio, o país conhecerá os 23 eleitos por Tite para defender a Seleção Brasileira na Copa do Mundo da Rússia, a 21ª de uma história que começou com a bravura uruguaia em 1930 e teve o mais recente capítulo assinado por uma científica Alemanha, capaz de criar magia em laboratório. Por que tanta solenidade e letras maiúsculas logo na primeira fase? É que, no Brasil, a Seleção é parte da identidade nacional. E da nossa cultura, também.
Trata-se de algo muito sério.
As pessoas se vêem no escrete, em períodos de Copa. Mesmo quem prefere canastra, ludo ou xadrez chinês vira fanático de quatro em quatro anos. Negociam com seus chefes para faltar ao emprego nos dias de jogos. O chefe, como também quer ver a Seleção, aceita. De Norte a Sul, as ruas ficam vazias. Multidões ficam paralisadas diante do televisor ligado na vitrine da loja.
São poucas as vezes em que o Brasil espalha temor e impõe respeito nas grandes potências. Segue sendo assim no futebol, apesar do 7 a 1. Tite devolveu aos brasileiros o prazer de torcer pela Seleção. Não tanto pelos resultados. A maneira como tudo vem acontecendo é que faz a diferença. Os bons resultados são decorrência de merecimento
e de uma volta às origens.
O talento tupiniquim parecia morto, mas na verdade estava só hibernando, à espera de alguém capaz de adequá-lo ao novo mundo das exigências táticas, das soluções baseadas em estatísticas combinadas e das tarefas mais complexas para cada jogador.
Por isso, o dia 14 de maio de 2018, uma segunda-feira, é tão importante. O anúncio final dos convocados será diferente de todos os outros, repleto de significados alusivos ao momento do país e ao próprio comando da CBF. Em vez de hotel seis estrelas no Rio de Janeiro, como é de praxe e caríssimo, o técnico preferiu algo mais discreto.
Quando não está viajando para ver os selecionáveis ao vivo, ele dá expediente na sede da CBF como qualquer trabalhador. Cumpre horário, entre reuniões com sua comissão, debates em torno dos relatórios do setor de análise de desempenho, sessões de vídeos e ajustes na logística da Seleção. Nada mais natural, portanto, do que revelar a lista em seu local de trabalho: a própria CBF.
Assim, a ideia é aproximar o evento a um ato rotina, embora não seja um ato de rotina. Há certa euforia com a Seleção. No auditório da entidade, os acessos são controlados. A tietagem será menor. Tite tenta, ao máximo, evitar a imagem da arrogância, do favoritismo inato, do otimismo exagerado, da velha história de ser candidato ao hexa por escolha divina. Haverá zona mista para os repórteres. Dela participarão todos os integrantes da comissão técnica, além de médicos e equipe de apoio. Tite insiste com seus jogadores: ninguém faz nada sozinho. Todos são importantes e têm tarefas com e sem a bola, embora haja protagonistas naturais, como Neymar. A hora da lista é um bom momento para dar o exemplo.
Se ele, Tite, não quer ser o centro absoluto das atenções, é preciso dar rosto e voz para outras pessoas falarem e povoarem o noticiário no dia seguinte. Isso sem falar na questão da transparência. Até uma criança de 10 anos sabe. Tite é o técnico por meritocracia e pressão da opinião pública, que o queria no cargo como antítese aos chefões de sempre. Mas quem o contratou está mergulhado na lama da corrupção. Marco Polo Del Nero acaba de ser banido do futebol pelo comitê de ética da Fifa. Seu antecessor, José Maria Marín, segue em cana nos Estados Unidos.
Não seria absurdo interpretar como escárnio divulgar convocados em hotel de luxo quando Del Nero é condenado a pagar multa de R$ 3,5 milhões por “suborno e corrupção, oferecer e aceitar presentes e outros benefícios, conflitos de interesse, lealdade e regras gerais de conduta”. Não há o que festejar. O Brasil é um país pobre. A maioria dos torcedores que fará corrente positiva pelo hexa sobrevive com dificuldade, vencendo um dia após o outro. Além do mais, políticos de todos os partidos são flagrados enriquecendo pornograficamente através de esquemas com empreiteiras e órgãos públicos.
A lista de Tite será, na verdade, a lista do Adenor, com a simplicidade possível em se tratando de Seleção Brasileira. A Seleção, este é o recado, não representa os poderosos, mas o povo brasileiro. E o povo brasileiro não aguenta mais tanta ostentação, arrogância e roubalheira no andar de cima.