Está claro que as brigas políticas internas estão na gênese do afastamento colorado dos grandes títulos. O último troféu de grande repercussão foi o bicampeonato da Recopa, sobre o Independiente, em 2011. Ainda não é tanto tempo assim historicamente, mas preocupa o fato de que não se vislumbra caminho vitorioso a curto prazo. A reforma do Beira-Rio aprofundou o abismo, transformando ex-aliados em inimigos. Com união e alguma paz nos gabinetes, o Inter experimentou uma década de ouro, a partir da virada do milênio. A torcida se acostumou a erguer taças, e, por isso, agora sente mais a fase ruim e cobra tanto da direção e dos jogadores.
Este bloco político a que me refiro, que incluía Fernando Carvalho, Giovani Luigi, Vitorio Piffero, Roberto Siegmann, Mário Sérgio Martins e muitos outros, fragmentou-se pouco a pouco. As divisões também prejudicaram a renovação entre os dirigentes, já que tudo ficava concentrado nos nomes mais conhecidos a cada disputa, agora em lados opostos. Parece-me óbvio que o período de vacas magras, cujo ápice foi o rebaixamento, tem tudo a ver com essas fragmentações. Elas afastaram colorados importante da vida do clube e, ao mesmo tempo, desestimularam o surgimento de novos dirigentes.
Pois está em andamento no Inter a preparação de uma obra fundamental para o futuro que não apenas comprova tudo isso como pode ser o tabuleiro da paz. É o CT de Guaíba, sob a batuta de José Aquino Flôres de Camargo, vice-presidente de Assuntos Estratégicos. Ex-desembargador e ex-presidente do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Aquino é talhado para o papel. É um homem de diálogo, que sempre trabalhou pelo Inter como voluntário. Nunca aceitou cargos no clube enquanto ocupou função pública. Aposentado, enfim entrou no dia a dia da gestão colorada.
A obra do CT pode reaproximar adversários por ser coletiva. Está saindo do papel por isso. Luigi arrumou a área de 88,7 hectares, na orla do Guaíba. O local é espetacular: bucólico, com muito verde e longe da confusão urbana. A equipe de seu sucessor, Vitorio Piffero, tocou o projeto adiante, destravando grande parte das licenças ambientais e obtendo as de instalação. Não foi nada fácil. Uma parte da área, talvez a metade, é virgem e não pode ser tocada. Há cerca de 50 figueiras sobre as quais não se pode fazer nada dentro de um determinado perímetro. Uma população indígena habitou o lugar. O Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Cultural) impôs uma série de exigências. A gestão Marcelo Medeiros completou este naco intrincado e burocrático e agora parte para o estágio mais decisivo: financiar tudo.
– Gostaria muito que a obra tivesse esse sentido de união. Não quero que ela fique associada ao meu nome por estar à frente agora (nota do colunista: de fato, Aquino não procura a imprensa para falar do projeto ou pede para assessores fazerem isso em seu lugar. É raro vê-lo indo a programas de rádio e participando de debates. Eu é que o procurei). O CT será do clube. Mais de uma gestão se empenhou para torná-lo possível. Entramos na fase mais difícil: a do financiamento, com a economia retraída e o clube vivendo uma situação financeira particularmente delicada. Mas posso te afirmar que estou otimista. Há muita coisa acontecendo que não podemos divulgar para não atrapalhar as tratativas – explica Aquino.
A esperança de José Aquino Flôres de Camargo reside em um grupo investidor português que, após várias reuniões, fez proposta. Os valores são mantidos em sigilo. A ideia é informar tudo antes ao Conselho Deliberativo, do qual Aquino é integrante há 26 anos. O Inter projeta a necessidade de R$ 70 milhões para o primeiro e mais importante dos três módulos, que demoraria dois anos para ficar pronto: na margem do rio, com quatro prédios e oito campos de um total de 14, além de três de medidas reduzidas e um outro coberto. Conforme o dinheiro for chegando, os outros módulos seria erguidos, fechando a conta em R$ 140 milhões e até 10 anos para finalizar tudo.
Mas só o primeiro módulo já mudaria por inteiro a vida do Inter:
– Lá atrás, Fernandão alertou que, em pouco tempo, ficaríamos defasados se não providenciássemos esse salto. Ele tinha razão.
O plano inicial é dar a largada na Cidade do Inter até junho, mas tudo depende de garantir os recursos. O projeto está pronto. Faltam o dinheiro e, claro, o cronograma executivo de obras. Dito assim, parece faltar tudo. Mas ter a área para construir e as licenças de instalação emitidas são passos gigantes, do tamanho do Inter, já dados após muito trabalho coletivo.
Mesmo que os resultados de campo ainda demorem a chegar, o projeto do CT tem de ir até o fim não só pela urgência de sair das instalações provisórias erguidas após a Copa, do outro lado da Avenida Edvaldo Pereira Paiva, mas também pelo simbolismo: correligionários e inimigos internos trabalhando juntos, deixando picuinhas de lado. É o caminho a trilhar para a retomada da rotina de sucesso no Inter. É só dar uma rápida olhada para o passado.