No dia em que estourou a delação do dono da JBS, que inclui vídeos e conversas gravadas indefensáveis para o presidente Michel Temer e o senador tucano Aécio Neves, estava o Sala de Redação no ar. Sento-me ao lado do Duda Garbi (e do Santaninha) no estúdio da Rádio Gaúcha.
A Kelly Matos, lá de Brasília, ia descobrindo e narrando e descrevendo e contextualizado tudo, o que faz muito bem porque a cabeça da Kelly é uma espécie de HD externo da Lava-Jato. Lá pelas tantas, à medida que os fatos – porque são fatos, e não meras acusações do tipo “a minha palavra contra a sua” – se avolumavam, o Duda tira o fone e cochicha no meu ouvido um sentimento de repórter com o qual assenti imediatamente:
– Tu não acha meio esquisito a gente aqui, falando de futebol, com tudo isso acontecendo?
O Brasil não pode parar, claro, e isso inclui o esporte. Mas o sentimento do Duda era o de todos nós. Tanto que, na véspera, Pedro Ernesto e eu ficamos tabelando com a Carolina Bahia e o Daniel Scola, enquanto novidades arrepiantes chegavam, até quase o pontapé inicial de Grêmio e Fluminense, na Arena. Só que está chegando o momento em que não haverá mais esta aparente dicotomia temática no âmbito da Lava-Jato.
Já abordei este assunto, mas o escândalo torna obrigatório voltar a ele, até pela reflexão proposta pelo Duda ali nos bastidores do Sala. As investigações da Operação Lava Jato cada vez mais roçam o futebol.Primeiro foi o ex-presidente do Corinthians e deputado federal Andres Sanchez (PT-SP). O STF já abriu inquérito para investigá-lo acerca do financiamento da Arena Itaquera com dinheiro público. Teria recebido propinas.
Agora, a delação de Joesley Batista atinge um dos maiores clubes do país: o Cruzeiro. O escândalo envolve seis conselheiros natos na Toca da Raposa: Aécio Neves, Euler Mendes, Mendherson Lima, Frederico Medeiros, Gustavo Perrella e Zeze Perrella. Todos alvos de buscas, sendo que Lima e Medeiros foram presos. O senador Zeze Perrella, do PMDB, que nega tudo, é apontado como intermediário dos pagamentos a Aécio.
Zeze o principal candidato de oposição à presidência do Cruzeiro, contra Gilvan Pinho, atualmente no cargo. A eleição ocorre em setembro. A Lava-Jato está chegando ao futebol, que ainda é uma grande caixa preta sem clareza alguma em quase nada acerca de vendas milionárias de jogadores e sobre o pagamento de impostos ao governo. E se algum desses conselheiros do Cruzeiro presos negociar uma delação premiada?
Nos conselhos deliberativos, tudo se acerta politicamente: a situação de hoje será oposição amanhã, portanto reina o instinto de preservação. Há casos de investidores estrangeiros que são fundos com sede em paraísos fiscais, como o britânico Doyen Sports, sediado em Malta. Em tempo: não estou acusando ninguém, e sim apenas exemplificando de como os milhões andam de lá para cá.O FBI devastou a Fifa por esse mesmo motivo, os propinodutos, que agora envolvem conselheiros do Cruzeiro.
Aparentemente, ao menos por enquanto, neste caso ainda não é dinheiro ligado ao futebol. Mas é no de Sanchez e do Itaquerão. Outra: para pagar propina ao governador petista Fernando Pimentel, Joesley diz em sua delação que a JBS comprou 3% do Mineirão. Quem não deve, não teme. Com certeza, há muitos dirigentes, agentes, empresários, procuradores, clubes e investidores honestos no futebol brasileiro.
Dá até medo do que pode eclodir destes subterrâneos, por onde transitam milhões de euros, se a Lava-Jato resolver apertar a marcação sobre o futebol.