Quando a RBS TV abrir a transmissão deste domingo para o jogo de ida das quartas de final entre Veranópolis e Grêmio, um dos personagens deste Gauchão logo será capturado pelas câmeras. Trata-se do técnico mais jovem do campeonato, que brilha justamente na terra da longevidade, o pedaço do país onde as pessoas vivem por mais tempo com saúde de fazer inveja aos brasileiros sufocados pela correria das capitais.
Mas tal curiosidade é o de menos no caso de Tiago Nunes, 37 anos. Ocorre que o seu VEC toca a bola com desenvoltura e exibe a melhor defesa da competição.No empate em 1 a 1 na Arena, na fase de classificação, o time de Tiago passou quase todo o primeiro tempo com mais posse de bola. Foi para o intervalo com mais finalizações, inclusive requisitando o goleiro Reynaldo para trocar de passes e abolindo o chutão. O Grêmio inverteu essa lógica na segunda etapa. Alcançou o empate e poderia até ter vencido, mas o fato é que o pequeno enfrentou o grande como se grande fosse.
Agora, em dois jogos, o favoritismo é todo do Grêmio. Por isso, Tiago tem diante de si uma chance de fazer história, caso surpreenda o país e elimine o campeão da Copa do Brasil, que terá a volta de um jogador essencial: Maicon. Procurei Tiago para saber mais acerca de sua trajetória precoce. E também porque a prudência recomenda atenção aos novos técnicos do Interior, uma escola que já produziu Tite, Mano Menezes e Felipão, só para ficar nos que chegaram à Seleção Brasileira.
Como você começou?
Aos 20 anos já era preparador físico em Santa Maria, onde nasci. Trabalhei no Inter-SM e Riograndense. Em 2010, aos 29 anos, fiz minha estreia como treinador no Rio Branco, do Acre. Eu era preparador no Luverdense-MT e fui indicado pelo Tarcísio Pugliese (hoje no Ituano), que me conhecia e estava de saída para o São José-SP. Fui campeão no Acre e voltei para o Sul decidido a ser técnico. Passei por vários equipes, na Série A e na Divisão de Acesso. Em 2013 trabalhei na sub-15 do Grêmio. Nos dois anos seguintes, treinei a equipe sub-20 do Juventude. No Jaconi, chegamos à final do Estadual, perdendo apenas para o Grêmio na final, sempre fazendo bons jogos. O profissional veio no ano passado, através do São Paulo-RG. E, agora, o VEC.
Como se deu a transição de preparador para técnico?
A culpa foi da leitura. Quando eu era preparador, dava opiniões aos técnicos, e eles gostavam e conversavam mais comigo. Comecei a gostar da ideia. Via meus pitacos darem resultado. Passei a consumir livros sobre futebol, especialmente os que abordavam a periodização tática, da qual José Mourinho é o maior expoente, ele e a escola portuguesa. Foi aí que entendi que a preparação física podia ser superada pela organização tática. Um time nem tão forte e com menos fôlego podia superar o adversário com inteligência.
E depois?
Fui atrás de estágios, leitura. Bati na porta para estagiar em Grêmio e Inter. Procuro treinadores mais experientes para conversar. Tenho que fazer a curso do CBF este ano de qualquer jeito. A profissão e a correria ainda não me permitiram, mas quero fazer de qualquer maneira. O fundamental, creio, é ter a mente aberta: não tem certo e errado, pode-se ganhar e perder de várias maneiras, de acordo com os jogadores que você têm.
Dá para jogar como se fosse time grande só com a parte tática?
Olha, a minha lógica é matemática. Tento colocar mais gente do que o adversário em cada setor do campo. São essas dinâmicas de linha de passe que garantem a superioridade numérica capaz de facilitar a troca de passes. Um sempre estará com espaço para receber. A chance de aumentar a posse de bola é maior se os jogadores entenderem isso. Tento explorar o adversário dessa maneira. Tenho de ter, é claro, teoria e conhecimento para convencê-los da ideia. Não sou ex-jogador, não tenho folclore ou histórias incríveis a contar. Tenho só conteúdo e o que vivi onde trabalhei.
E como fazer tudo isso sem recursos e, não raro, sem a estrutura adequada?
A gente usa muito vídeo. O Youssef Kanaan, nosso analista de desempenho, pega lá a sua filmadora pessoal e grava nossos treinos e jogos. Busca vídeos de outros times que fazem o mesmo. O avanço tecnológico democratizou muita informação tática, agora disponível em aplicativos e sites específicos. Ficou mais fácil compilar dados dos adversários. No jogo da Arena, sabíamos o número de ações do Grêmio pela direita e pela esquerda. Tentamos fechar mais o lado direito de ataque do Grêmio por isso.
Nacionalmente, os clubes estão optando por técnicos mais jovens, com perfil mais tático e menos empírico. Essa realidade já chegou ao Gauchão?
Vai depender dos dirigentes. Penso que os clubes que trabalharem com mais profissionalização, apostando em executivos no futebol, fatalmente trilharão este caminho. Mas nem sempre isso é possível.
O VEC vai jogar tocando a bola como no empate da Arena?
Tem diferença o mata-mata para um clube grande. O foco, o envolvimento, a torcida, a premiação, tudo é maior do que na primeira fase. E o Grêmio já nos conhece. Mandou um analista seu ver nossos dois últimos jogos em casa, contra São Paulo e Passo Fundo. Temos de chegar vivos em Porto Alegre.
Pode mudar e fazer um jogo de reação, em vez de propor?
Podemos jogar diferente. Tem de ver como o Grêmio virá. Quem sabe mudar nosso comportamento defensivo. Qual a sensação de chegar a um confronto que pode mudar sua vida? Cara, de gratidão. É uma momento maravilhoso. Tenho uma filha linda de um ano e meio, a Luiza, e minha esposa Fernanda ao meu lado. Não tenho parente que jogou bola e estou aqui. Prometi a mim mesmo que vou aproveitar muito esse jogo, sem pressão ou fardo.
Você acredita que pode superar o Grêmio campeão da Copa do Brasil?
Eu acredito 100%. É bem verdade que teremos de fazer um jogo grandioso, perfeito, de luxo, sem erros, de superação, um cenário especial. É muito difícil, mas não impossível.