Toda vez que encontro Adenor Bachi em algum ambiente profissional, o começo do papo é sempre o mesmo. Certa vez, emprestei-lhe um livro chamado
Sueños del Fútbol. O autor é um ex-atacante argentino que, além do estilo elegante para fazer gols, esgrimia bons textos.
Jorge Valdano foi campeão com a Argentina de Maradona, na Copa do México, em 1986. Por muito tempo jogou no Real Madrid, onde ganhou duas ligas dos campeões. Como técnico, fixou-se na Espanha, erguendo taça inclusive no Santiago Bernabéu.
Em Sueños del Fútbol, Carmelo Martín conta como Valdano salvou o Tenerife, um pequeno clube das Ilhas Canárias, de um rebaixamento que se anunciava inevitável, em 1992. Algo assim como pegar o América-MG e, de uma hora para outra, sair ganhando de todo mundo.
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Antes da chegada de Valdano, o Tenerife parecia o Inter de Argel. Só havia espinhos no jardim. Com ele, nasceram flores. O time passou a dar espetáculo em tempo recorde, espantando toda a Espanha, chegando ao ponto de vencer de virada o Real Madrid na última rodada e dar o título da temporada ao Barcelona, de Cruyff.
Alcancei a Tite uma edição em espanhol do livro. Isso eu lembro. Só não recordo se foi quando ele treinava Grêmio ou Inter. O tempo passou e, na correria da vida em 140 toques, o livro ficou com o hoje técnico da Seleção. Ficou nas mãos certas, é bom que se diga. “Estou te devendo o livro!”, ele brinca quando nos cruzamos.
O que Tite fez nestes dois primeiros jogos ao suceder Dunga foi um pouco o livro de Valdano. A Seleção parecia um grande Tenerife. Assombrado pelo fantasma do 7 a 1, apanhava de velhos fregueses e já aparecia fora da zona de classificação nas Eliminatórias. Falava-se em não ir, pela primeira vez, a uma Copa.
Com muita análise dos adversários e da real situação de quem convocaria, mais um punhado de treinos, mudou este cenário depressivo fechando a fórmula com conversas e orientações posicionais. Goleou o Equador na altitude de Quito, algo que não acontecia havia 32 anos. Passou pela Colômbia, em Manaus.
Do sexto ao segundo lugar, agora a Seleção tem um horizonte, com escalação, conceito, esquema tático e alternativas para o segundo tempo. A geração já não parece mais tão pereba assim. E nem tão dependente de Neymar, no embalo de Gabriel Jesus. A Arena Amazônia lotou até em treino. Como foi possível tudo isso em apenas duas semanas de bola rolando?
Graças a uma palavra mágica cuja construção implica anos de trabalho e preparação como treinador: credibilidade.
O país vive uma crise de representação sem precedentes em sua história conturbada e confusa. As pessoas não se sentem representadas por ninguém. Dos Poderes da República, Executivo e Legislativo têm menos credibilidade do que um par de cadarços usados. Bastou surgirem as palavras “governo’’ e “prefeitura’’ em um discurso da Paraolimpíada para o Maracanã irromper em vaias fortes e longas.
Mas o que tudo isso tem a ver com Tite?
Tite é filho da meritocracia. Torcedores e jogadores se sentem representados por ele. E, por sentirem-se representados, cumprem o seu papel com mais confiança, vontade e suor. Esse é o seu segredo. Tite está técnico da Seleção exclusivamente por ser o melhor. Não precisou de amigos que o escolhessem. Vai acertar e errar. Pode funcionar ou fracassar. Só o futuro dirá. Mas é o melhor.
Dunga tinha méritos indiscutíveis, entre eles a honestidade e o passado como jogador, mas não era o melhor treinador após a Copa de 2014. O que afetava sua credibilidade.
Tite bate ponto na sede da CBF quando não tem jogo e grita à beira do campo para desarmar sem falta, rechaçando a tese do resultadismo por si só. Diz que trocaria o título mundial do Corinthians para trazer de volta o adolescente boliviano morto por torcedores de sua própria torcida, mesmo que se incomode com a Gaviões da Fiel.
É por isso que ele está unindo time, torcida e crítica, ainda que esta nem sempre (melhor assim!) concorde com ele. Se Temer, Dilma, Cunha ou Renan Calheiros tivessem metade da credibilidade de Tite, o Brasil estaria no caminho da paz e não do Fora isso e Fora aquilo.
As eleições de 2018 podiam nos brindar com um presidente em que se pudesse acreditar.
Como Tite na Seleção.
É pedir demais?