Se o Inter cair, a queda já tem um emblema. O jogo que repousará na história como o da morte anunciada será o da falência diante do Vitória, no Beira-Rio. O time de Celso Roth se valeu 46 vezes do jogo aéreo, revelando ao mesmo tempo falta de repertório e nervos em frangalhos, com os jogadores se livrando da bola. A crença de que o Inter conseguirá superar ao menos quatro adversários para escapar da degola sofreu duro golpe.
Os argumentos lógicos perderam força.O primeiro eram os sinais recentes de futebol, ainda que tênues: chances de gol criadas, mínimo equilíbrio defensivo, resultados ruins definidos por meros azares. Mas um time que levanta a bola na área quase meia centena de vezes não pode ter evoluído.
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O outro argumento residia nos confrontos diretos, três deles em casa. Já no primeiro, fracasso retumbante. A face da Série B se revelou para o Inter. Essa é a verdade. Perde, muda o time para voltar a vencer e, desentrosado por mudar a toda instante (agora se fala em tirar Seijas, como se ele fosse o culpado), torna a perder. É como andar em círculos.
Há salvação, nesse cenário de trevas?
Sim, desde que deixe a arrogância de lado.
Talvez uma porta se abra se o Inter admitir, enfim, que vai cair, em vez de ficar repetindo: “clube grande não cai”. Cai, sim. Não mais se ver como o campeão de tudo condenado ao êxito ajudaria um bocado. Que tal reconhecer a ruindade e se esforçar o triplo para equilibrar a superioridade do adversário? Dá para começar contra o América.
Parar de se achar o grande vencedor do século 21 também seria bom. É como a imortalidade do Grêmio, em férias nos dois rebaixamentos. O problema desses slogans de marketing é clube e torcida acreditarem neles. O mundo real é chato, eu sei, mas é o que dá as cartas e decide tudo. A ameaça de rebaixamento do Inter começou lá atrás, ao adotar o mesmo discurso arrogante que reclamava do Grêmio nos anos 1990.
Assim como o Grêmio se autodenominava copeiro de nascença e proprietário da Libertadores, o Inter passou a se achar a última bolacha do pacote após os títulos da virada do milênio, alardeando recordes de sócios e até de receitas. De que maneira se deu a travessia colorado do limbo em que se encontrava até o topo do mundo?
Trilhando o caminho conduzido por Fernando Carvalho.
Primeiro, ganhar Gre-Nal. Depois, Gauchão. Aí voltar ao circuito sul-americano, para ir mal no primeiro ano, melhor no segundo e triunfar no terceiro. E assim por diante, sem arrostar ou se preocupar com a vida alheia, todos concentrados apenas na chatice do mundo real e suas rotinas. Nada de contratar jogadores caros e espalhafatosos como Anderson ou Diego Forlán, e sim nomes esquecidos e baratos à espera de um nova chance: Fernandão, Tinga, Iarley.
Tudo isso só foi possível quando o clube se uniu internamente, admitindo fraquezas e limitações. A história política do Inter é clara nesse sentido. Quando há hegemonia forte, vence. Fracionado em pedaços, com a massa crítica pulverizada e afastada do Beira-Rio, vai ao fundo do poço.
Enquanto esteve fora, Carvalho implorou pela reunião dos grupos internos que, juntos, venceram. E que depois, separados pela ânsia de poder, produziram a paralisia da noite de quinta-feira, quando o rebaixamento bateu à porta. É emblemático que o ex-presidente tenha sido chamado de volta na condição do pai chamado às pressas para resolver as trapalhadas dos filhos.
A gestão de Vitorio Piffero é um caminhão de erros. Ele tem responsabilidade nestas brigas todas, que no longo prazo produzem oposições capazes de, lá no fundo, secar mirando a próxima eleição.
O correto seria todos os movimentos internos do Inter se apresentarem a Fernando Carvalho incondicionalmente, colocando-se à disposição para o que for preciso: trocar lâmpada, limpar o chão, revisar algum contrato, ter ideias de promoção de jogos, convocar torcedores, bolar estratégias de motivação ou simplesmente ir ao treino passar aos jogadores a ideia de mobilização.
Duvido que aconteça. O ódio está disseminado.
Mas se os colorados, incluindo o torcedor que acredita nesses slogans megalomaníacos, calçarem as sandálias da humildade, talvez ainda reste uma saída ao Inter nesta cada vez mais improvável escapada do primeiro rebaixamento.
Nunca é tarde, embora a cada rodada fique mais difícil.