Conheço bem esse clima de meados de outono, encaminhando-se para o inverno de Porto Alegre. Conheço bem. Mas seis anos morando longe me fizeram esquecer do ar fino e suavemente frio das manhãs desta época do ano. A gente se esquece, mas basta experimentar uma única vez a velha sensação que tudo volta à cabeça. Então, recordo: neste pedaço do ano, minha mãe ou minha avó começavam a fazer blusões para mim.
Tive vários blusões feitos por elas, de boa lã de ovelha da fronteira com o Uruguai, fronteira doble-chapa. Um deles, já contei essa história, era em dois tons de cinza, antecipando em dezenas de anos a Dakota Johnson, só que mais modesto.
Com ele fui cobrir uma final de turno de Criciúma x Joinville, em Joinville, no famoso Estádio Ernestão. Era um domingo frio. O Criciúma não tomaria conhecimento do adversário (que era muito bom, com Nardella centralizando o jogo no meio-campo) e venceria por 2 a 0. Mas antes disso cheguei ao estádio bem cedo.
Sabia que teria muito trabalho e, de fato, o editor de esportes Luiz Zini Pires me pediu para escrever oito páginas. Tudo bem, era assim, na época. O problema foi que mal entrei no estádio, um gaiato arremessou lá da arquibancada uma sacola cheia de urina, que ele colheu dos torcedores solidários. O troço me acertou no lado da cabeça, espalhou-se até a cintura e eu fiquei todo molhado. Cheguei a pensar em tirar o meu blusão, mas fazia frio. Assim, deixei o troço secar e fui em frente. Só tomei banho depois da meia-noite. Era dura a vida do repórter nos anos 80.
Mas tenho outras lembranças mais bem cheirosas dos blusões que me faziam a vó e a mãe. Uma delas de quando ainda estava no Primeiro Grau, não sei mais como essa etapa do ensino se chama. Eu era pequeno, mas ia sozinho para a escola, a Arthur da Costa e Silva, o célebre “Costinha”, nos fundos do Parque Minuano.
Era inverno e a geada embranquecera os terrenos baldios. Parecia que, naquele tempo, fazia mais frio, tanto que a gente via geada em Porto Alegre. Antes de eu sair de casa, que ficava na Rua Serafim Alencastro, perto do clube, minha mãe deu uma última ajeitada na minha roupa e disse:
– Esse blusão é de uma lã boa feito por mão boa, mão de mãe. Vai te proteger.
Aquilo, para mim, foi como uma oração. Ou uma promessa. Avancei pelas ruas do bairro com confiança, sem sentir medo ou frio, sem pensar no futuro, apenas acreditando que tudo daria certo. Minha nova segurança me fez tão bem que lembro te ter tido um ótimo dia no Costinha, inclusive marcando um gol no joguinho da hora do recreio. Mais tarde, ao voltar para casa, já não fazia mais frio. O sol aquecera o dia. Mas eu não tirava meu blusão por nada. Quando minha mãe me viu, gritou:
– Vai botar o sarampo pra fora! Tira esse blusão!
Eu balancei a cabeça. Fiz que não. O blusão me protegia.
Quando parei de acreditar nos superpoderes do blusão? Não sei. Não lembro. Mas agora, com o tempo esfriando levemente no Rio Grande, aquela sensação boa volta. Parece que tenho cá comigo algo especial, parece que não preciso me preocupar com o futuro. Então, avanço sem medo e sem frio, de peito estufado, cheio de confiança. E, quem sabe, talvez faça um golzinho na hora do recreio.